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Não há uma política realmente europeia, afirma analista

Pesquisadora espanhola diz que eleições do Parlamento europeu servem para referendar governos nacionais

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Paris

As eleições que acabam de ampliar a bancada de ultradireita no Parlamento Europeu e de quebrar a hegemonia de dois blocos moderados tiveram sua importância “anabolizada” pelos partidos tradicionais para instilar medo e provocar uma corrida dos eleitores às urnas.

A análise é da espanhola Camino Mortera-Martinez, do think tank Centro para Reforma Europeia. Para ela, ainda que o avanço dos radicais preocupe, o mote da “votação do fim do mundo” oferece a socialistas e liberais uma cortina de fumaça que escamoteia ameaças mais profundas ao projeto europeu, como a governança da zona do euro ou a gestão dos reflexos da crise migratória de 2015.

De toda forma, diz Mortera, os ultraconservadores tropeçarão nos próprios pés, dada a provável dificuldade em chegar a consensos internos e o papel reduzido do Parlamento Europeu nos rumos do continente.

Na entrevista a seguir, a pesquisadora fala ainda sobre a falta de clareza das ações da União Europeia e sobre o reequilíbrio de forças dentro do consórcio com a prometida saída britânica.

Como o avanço do nacionalpopulismo afeta o projeto europeu de paz, prosperidade e defesa da democracia? 

Não compro a ideia de que estas eleições foram as mais decisivas [desde que se começou a votar para o Parlamento Europeu, em 1979] e de que estávamos diante de um confronto entre pró-europeus e uma grande ameaça populista pronta a virar tudo do avesso. Essa narrativa convém aos liberais e socialistas.

O movimento preocupa, mas é útil para partidos tradicionais exagerarem os riscos.

Há uma crise existencial maior, uma busca de redefinição do sentido da UE. Tem a ver com a forma como a zona do euro é gerenciada —muitos partidos populistas apareceram após a crise econômica do fim dos anos 2000. Está ligada também à crise migratória de 2015 e aos atos terroristas dos últimos anos, e ainda a uma tendência global ao nativismo.

A União Europeia de fato vai ter de se reinventar nos próximos cinco anos, mas é sobretudo por falhas anteriores, não pelo crescimento da bancada populista no Parlamento.

​​Mas esse grupo de ultradireita, agora ampliado, não pode sabotar deliberadamente o funcionamento da União Europeia? 

A influência do Parlamento Europeu na definição das políticas do bloco é grande, mas há outros atores mais importantes. E esses radicais vão ter muita dificuldade em encontrar pontos de interseção entre si, se quiserem mesmo destruir tudo por dentro. Talvez nem fiquem todos no mesmo grupo parlamentar.

Quando o frenesi da eleição ficar para trás e entrarmos na “vida real” da discussão política, vai ser difícil eles bloquearem planos que tenham apoio do Partido Popular Europeu (centro-direita), dos socialistas e dos liberais.

O debate nesta eleição parecia sempre atrelado a questões nacionais. Existe ou já existiu uma discussão política real em nível europeu? 

Nunca existiu um grande debate europeu e acho improvável que surja neste momento histórico, quando se vê uma retração à esfera nacional em vez de um aceno ao multilateralismo.

Há muita desinformação quando se trata de União Europeia. Pouca gente entende como ela funciona, poucos políticos conseguem traduzir sua forma de operar. Então todos se esquivam do tema.

Essas eleições acabam sendo referendos de meio de mandato, votos de confiança ou desconfiança em governos.

Segundo pesquisas, a imigração ainda é a principal preocupação dos europeus, mesmo que as chegadas de estrangeiros estejam em queda aguda desde o auge da crise, em 2015. Até quando esse medo vai durar?

Até a próxima grande crise, que pode ser econômica, da zona do euro. Aí, veremos as pessoas voltarem a se preocupar com desemprego, como ocorria até 2014.

Se os partidos tradicionais continuarem a fugir do assunto e a deixá-lo para os populistas martelarem na cabeça das pessoas, ele estará presente por muito, muito tempo.

Como a saída do Reino Unido, se de fato acontecer, pode redefinir o equilíbrio de poder dentro da União Europeia? 

Desde o anúncio de que os britânicos sairiam, há um reposicionamento de alguns membros. O Reino Unido serviu para contrabalançar o eixo França-Alemanha por ser uma potência econômica e militar.

A Holanda tem buscado ocupar esse vácuo anglo-saxão, mas é um país pequeno, então precisará de parceiros.

Poderia se aliar à Espanha, por exemplo?

Depende da área. Em termos de gestão da zona do euro, estão em polos opostos, ainda mais agora que o governo da Espanha é socialista.

Os holandeses vão se aliar ora com os franceses, ora com países bálticos como Estônia e Letônia, que são mais assertivos na necessidade de reformar a zona do euro, ora com a Alemanha, para assuntos ligados à imigração.

Já a Espanha elegeu um governo muito agressivo em relação ao peso internacional que pretende dar ao país. Então, acho que o papel espanhol vai mudar um pouco. ​

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