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Otan chega aos 70 em meio a receios sobre futuro da aliança militar

Encontro em Londres corre o risco de se converter em exibição pública de discordâncias

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Marc Champion Jonathan Stearns
Bloomberg

Um encontro concebido como uma celebração de uma das alianças militares mais importantes do mundo corre o risco de se converter em uma exibição pública de discordâncias —e desta vez não é em função de algo que o presidente Donald Trump tenho dito ou feito.

Os líderes da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) vão se reunir em Londres nesta terça (3) e na quarta (4) e terão dois outros presidentes com quem se preocupar: o francês Emmanuel Macron, que recentemente questionou a cláusula de defesa coletiva que está no cerne da Otan, e o turco Recep Tayyip Erdogan, que perturbou países membros da aliança com sua decisão de enviar tropas à Síria e adquirir um sistema russo de defesa antimísseis.

E, agora, para agravar a situação, Macron e Erdogan estão trocando insultos em público.

O presidente francês, Emmanuel Macron, em entrevista coletiva após se encontrar com o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, em Paris - Bertrand Guay/Pool via Reuters

Na realidade, tanta coisa mudou desde que a então primeira-ministra britânica Theresa May ofereceu sediar a reunião de dois dias para celebrar o 70º aniversário da criação da Otan que seu sucessor, Boris Johnson, poderia ser perdoado por desejar que ela não o tivesse feito.

“Vou dizer novamente para você na Otan —cheque primeiro para ver se não é você quem sofreu morte cerebral”, disse Erdogan, dirigindo-se a Macron em discurso proferido na sexta-feira (29) em Istambul.

Erdogan se referia a uma entrevista dada pelo líder francês no mês passado em que Macron criticou a Turquia e descreveu a Otan como tendo sofrido morte cerebral.

Com três países membros importantes levando pautas conflitantes para a mesa num encontro que acontece durante a reta final de uma tensa campanha eleitoral britânica, o evento corre o risco de alimentar os receios em relação ao futuro da Otan, em vez de festejar uma aliança descrita normalmente por seus líderes como o agrupamento militar mais bem-sucedido da história.

Na semana passada, autoridades dos EUA e do Reino Unido fizeram questão de ressaltar os êxitos da Otan, incluindo um sentido renovado dos objetivos da aliança desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2014.

Os gastos dos países membros com a defesa vêm subindo, e a Otan está ampliando sua ação para abranger contraterrorismo, cibersegurança e agora até a área espacial.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, rechaçou a descrição feita por Macron da aliança como estando enfraquecida. Ele e Macron se reuniram em Paris na semana passada.

E a aliança continua a atrair atenção. A Macedônia do Norte está prevista para fazer parte da organização a partir de 2020, elevando para 30 o número de líderes em volta da mesa nesta semana.

Em 1989, quando o Muro de Berlim caiu, a Otan tinha 15 membros.

Mas essas conquistas estão ficando em segundo plano, ofuscadas pela disputa cada vez mais pública sobre o que a Otan deve representar e que ações ela deve enfocar.

Numa aparente tentativa de conter a discussão, a Alemanha propôs a criação de um grupo de especialistas para redigir um relatório sobre o formato político futuro da aliança.

Macron levou a chanceler alemã, Angela Merkel, a fazer uma defesa veemente da aliança na semana passada, dizendo a parlamentares em Berlim que “hoje a Europa não tem condições de se defender sozinha”.

Durante muitos anos, Merkel fez parte do cimento que consolidou a Otan, mas agora, desde que seu parceiro na coalizão de centro-esquerda elegeu uma liderança nova e mais radical, sua posição está ameaçada em seu próprio país.

Um funcionário sênior dos EUA disse na sexta-feira (29) que Trump vai priorizar um esforço para angariar o apoio da Otan para resistir à influência crescente da China.

Segundo o funcionário, Trump também vai pressionar os membros da aliança a elevarem seus gastos com a defesa e excluírem firmas chinesas da construção de redes de telefonia celular 5G, algo que muitos países relutam em fazer.

Em vez de conter o avanço da China, Macron quer que a Otan priorize o combate ao terrorismo. Treze soldados franceses morreram no Mali na semana passada e na sexta-feira um terrorista matou duas pessoas em Londres.

Um funcionário francês disse que Macron também pretende defender uma partilha “operacional” maior das responsabilidades, como maneira de complementar a campanha de Trump para fazer a Europa arcar com uma parte mais substancial dos custos financeiros da aliança.

Erdogan, enquanto isso, quer que a Otan aceite a missão turca no norte da Síria, incluindo classificar como ameaça terrorista as milícias curdas que combateram o Estado Islâmico ao lado de outros aliados da aliança.

O líder turco também esfregou sal em outra ferida aberta nos laços da Turquia com aliados ocidentais, desempacotando e testando o sistema de defesa aérea à base de aparelhos S-400 —não compatível com a Otan—, que adquiriu recentemente da Rússia.

E isso tudo antes mesmo de Trump postar seu primeiro comentário sobre o evento no Twitter.

O presidente norte-americano chegará ao encontro com a atenção tomada por pressões no front doméstico, onde ele é alvo de um processo de impeachment.

“Se conseguirmos passar por este encontro de líderes sem os presidentes Trump, Macron ou Erdogan fazerem algo que prejudique a aliança, será uma prova de quanto os países valorizam essa instituição”, comentou Kori Schake, ex-funcionária do Conselho de Segurança Nacional na administração de George Bush e hoje vice-diretora do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.

O cronograma reduzido da cúpula —as sessões formais levarão apenas cerca de quatro horas— talvez limite o potencial de criação de problemas.

Os observadores de longa data da Otan também avisam que não se devem exagerar os perigos das tensões intra-aliança, que não são novidade em uma organização que abrange países com geografias e prioridades de segurança diferentes.

O questionamento por Macron do engajamento coletivo com a defesa que está na base da Otan é perigoso, mas de muitas maneiras o presidente francês está apenas retornando para a postura tradicionalmente meio desapegada da França.

O presidente Charles de Gaulle tirou a França da estrutura de comando militar da aliança em 1966, e o país só voltou a ela em 2009.

“Não é um ponto de vista que está na moda, eu sei”, comentou Adam Thomson, o enviado britânico à Otan entre 2014 e 2016, mas “a Otan vem procurando um novo panorama desde o final da Guerra Fria e, até certo ponto, já tem muito do material à mão”.

Ele citou três papeis novos assumidos pela Otan desde a Guerra Fria: o controle de crises em lugares como o Afeganistão, administração das disputas potenciais entre membros no leste europeu e construção de parcerias com dezenas de países não membros da aliança.

Sendo a cidade que abrigou a primeira sede da Otan, Londres foi a escolha natural para sediar o aniversário que será celebrado nesta semana. A ideia era também que essa escolha servisse como declaração sobre a estatura global de um novo Reino Unido pós-brexit.

Mas entre o momento em que a reunião foi marcada e hoje, a saída britânica do Reino Unido foi adiada.

E Boris Johnson convocou uma eleição antecipada para 12 de dezembro. Com protestos contra Trump planejados, o oposicionista Partido Trabalhista espera capitalizar em cima da impopularidade do presidente americano e de sua amizade com Boris.

Se o atual premiê perder para o líder trabalhista Jeremy Corbyn na eleição, isso dará à Otan mais um indivíduo com quem se preocupar em sua próxima cúpula, marcada para 2021.

Ao longo de sua carreira, o líder socialista incendiário já descreveu a Otan como “um perigo para a paz mundial e a segurança do mundo”.

Mais recentemente, porém, Corbyn se alinhou com a posição de seu partido, pela qual o Reino Unido deve permanecer na aliança. Mas é provável que, caso eleito, seja mais um parceiro a causar constrangimentos.

Em 2014, a última vez que o Reino Unido recebeu líderes da Otan, Corbyn, em ato público anti-Otan, disse que o fim da Guerra Fria “deveria ter sido o momento de a Otan fechar suas portas, desistir, ir para casa e desaparecer".

O que é a Otan?

  • A Organização do Tratado do Atlântico Norte é uma aliança de defesa regional criada em 1949 como uma resposta à expansão da presença militar da URSS na Europa Central e do Leste
  • Sua função mais importante é garantir que, caso um membro seja atacado, os demais saiam em sua defesa
  • Com o fim da URSS em 1991, a aliança perdeu seu objetivo principal e se tornou fórum de cooperação militar 
  • Durante o governo de Bill Clinton (1993 - 2001), os EUA lideraram iniciativa para aumentar o número de membros como forma de integrar ex-soviéticos, como a República Tcheca, a Hungria e a Polônia
  • Estônia, Letônia e Lituânia entraram na Otan em 2004. A adesão ao bloco recebe grande apoio entre elas,
  • que buscam na aliança garantias contra uma eventual pressão russa

Tradução de Clara Allain

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