Siga a folha

De aspirações locais, chefe do Congresso peruano ganha projeção com articulação de impeachment

Manuel Merino, cuja carreira foi alavancada pelo agronegócio, tentou contatar militares antes de detonar processo de destituição

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Buenos Aires

Em 2011, numa entrevista a um canal de TV de Tumbes, província no norte do Peru, o então recém-eleito deputado Manuel Merino defendeu as linhas gerais dos projetos que apresentaria ao Congresso.

"Queremos que os jovens do campo de Tumbes não tenham de migrar para as [grandes] cidades por falta de recursos para o cultivo e queremos também construir infraestrutura para que possamos explorar nosso petróleo sem a ajuda [da província] de Piura", afirmou ele à época.

A campanha eleitoral de Merino apelava à valorização do potencial local de uma região pressionada política e economicamente por duas forças: ao norte, o Equador e, ao sul, a próspera Piura.

Tumbes também enfrenta graves problemas de segurança, uma vez que está na rota do narcotráfico e do contrabando entre os dois países.

O líder do Congresso do Peru e próximo na linha de sucessão, Manuel Merino - Manuel Merino no Facebook - 8.set.2020

Manuel Merino de Lama, 59, hoje líder do Congresso do Peru e próximo na linha de sucessão caso o impeachment do presidente Martín Vizcarra seja aprovado na sexta (18), nasceu e cresceu na província.

Filho de uma família de criadores de gado, o engenheiro faz parte das associações de produtores regionais. E foi justamente a bandeira de defesa do agronegócio que o levou ao Congresso, em 2001.

Merino também ajudou a desenvolver, em Tumbes, claro, o projeto Playa Hermosa (praia bonita), para incrementar o turismo local. "Trata-se de um político de província, de perspectivas curtas, e não nacionais, pelo menos até hoje", diz o jornalista Gustavo Gorriti, do IDL-Reporteros, site independente de notícias.

"Agora ele viu uma chance de se projetar nesse Congresso eleito às pressas para substituir o anterior. E esse protagonismo diante do processo de impeachment lhe rende capital político para o futuro."

A crise política se agravou no país após a divulgação de áudios em que Vizcarra pede a assessoras que mintam em um inquérito sobre sua relação com um ex-colaborador investigado por contratos irregulares.

O presidente, que não tem partido nem bancada, irá ao plenário na sexta para apresentar sua defesa. Depois disso, 130 parlamentares debaterão e votarão. São necessários 87 votos para removê-lo do cargo, panorama que parece distante devido a divisões dentro da oposição.

Se o quadro político mudar, Merino, chefe do Congresso, assume a Presidência, porque a segunda vice-presidente, Mercedes Araóz, renunciou durante a crise que levou Vizcarra a utilizar um mecanismo constitucional para fechar o Congresso e convocar novas eleições em 2019.

Araóz era segunda vice-presidente porque o próprio Vizcarra era o primeiro vice. Ele compôs a chapa de Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou há mais de dois anos sob a justificativa de 'clima ingovernável'.

Ao convocar o Parlamento para debater a admissão do processo de vacância, Merino pediu “que as Forças Armadas e os cidadãos tenham a segurança de que agiremos no estrito cumprimento da ordem constitucional”. A menção aos militares tinha um propósito: antes da declaração, o parlamentar tentou telefonar ao chefe do Exército, César Astudillo, que não o atendeu e comunicou o movimento ao Executivo.

Fundado em 1956, o Ação Popular, de centro-direita, ao qual pertence Merino, é o partido que mais elegeu democraticamente presidentes no país. O principal nome da legenda, Fernando Belaúnde Terry, governou durante dois mandatos, um deles interrompido por um golpe militar.

Para o cientista político Steven Levitsky, coautor do livro "Como as Democracias Morrem" e professor da Universidade Harvard, não é possível ver nos partidos históricos do país traços de sua própria origem.

"Estou seguro de que a maioria dos congressistas atuais do Ação Popular sequer sabe quem foi Belaúnde. O que se vê no Congresso peruano hoje são os nomes dos partidos históricos virando casas de aluguel tomadas por interesses econômicos, seja da igreja, do mundo agro. O nome Ação Popular não é o que foi antes, foi comprado por um grupo de interesses financeiros, como todos", diz Levitsky à Folha.

O pesquisador afirma acreditar que a dilapidação das legendas peruanas ocorreu nos anos 1990, durante o fujimorismo, e que nunca houve uma reestruturação dos partidos —daí haver tantas crises seguidas, "pois o sistema peruano atual depende de partidos fortes".

Além do fujimorismo, colaborou para o desgaste o escândalo protagonizado pela empreiteira brasileira Odebrecht, no qual subornos e caixa dois foram pagos a diversos políticos.

O Ação Popular fez parte da aliança que elegeu o ex-presidente Alejandro Toledo, hoje foragido da Justiça nos EUA devido à acusação de ter recebido ilegalmente US$ 35 milhões (R$ 183 milhões).

Merino estava no Congresso como parte da base de apoio de Toledo durante a gestão do presidente que governou o Peru entre 2001 e 2006. O Ação Popular tem hoje 25 das 130 cadeiras no atual Parlamento e continua sendo um tradicional opositor do fujimorismo —representado pelo partido Força Popular.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas