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Descrição de chapéu oriente médio

Tanto extrema direita quanto extrema esquerda ameaçam os judeus, diz líder americano

Diretor de comitê judaico dos EUA, David Harris defende criação de Estado palestino

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São Paulo

As ameaças aos judeus têm se tornado mais presentes no mundo, e tanto a extrema direita quanto a extrema esquerda colaboram para isso, avalia David Harris, diretor da AJC (Comitê Judaico Americano, na sigla em inglês). Enquanto radicais de direita estimulam o ódio aos judeus por seguirem uma religião diferente, os extremistas de esquerda defendem o fim do Estado de Israel, aponta ele.

E o recente conflito entre Israel e Hamas, em maio, ajudou a ampliar a revolta contra os israelenses. Na ocasião, houve protestos a favor dos palestinos em várias partes do mundo. Em 11 dias de confronto, houve cerca de 230 mortes em Gaza e 12 em Israel, segundo os governos locais.

David Harris, durante evento da AJC em 2019 - Divulgação

Harris, 71, é diretor do AJC desde 1990. O comitê é uma das mais antigas ONGs americanas de defesa dos judeus. Em entrevista à Folha, por email, ele também comentou como os governos podem combater o antissemitismo, rechaçou comparações entre o Holocausto e as restrições da pandemia e defendeu a criação de um Estado palestino como forma de encerrar o conflito no Oriente Médio.

Houve aumento no antissemitismo depois do conflito entre Israel e Hamas, em maio? Sim. Vimos um aumento muito claro aqui nos EUA e também em outros lugares. Toda vez que Israel precisa se defender contra ataques terroristas, há aqueles que desafiam seu direito de fazê-lo, buscam vilanizar o país, distorcer a realidade e invocar linguagens e imagens antissemitas. A surpreendente alta no antissemitismo, que vem de múltiplas fontes, de direita e de esquerda, tem incluído violência e intimidação.

Como a direita e a esquerda geram ameaças? Atualmente, a extrema direita, de novo, evoca a imagem de judeus como o “outro”, como um tipo de vírus humano que precisa ser extinto. Enquanto isso, a extrema esquerda tem focado a maior parte do seu ódio contra o único país de maioria judaica, Israel, e mobiliza toda uma indústria global num esforço para erradicar o Estado judeu e seus 9 milhões de habitantes.

Quando se trata de antissemitismo, a extrema direita e a extrema esquerda têm mais em comum do que gostariam de admitir. Nos dois casos, há uma longa e dolorosa história. Isso envolve minha família. Minha mãe nasceu em um país comunista, a União Soviética. Junto com seus pais e irmão, ela fugiu devido à combinação de tirania política e antissemitismo. O Kremlin precisava de um bode expiatório, e os judeus foram escolhidos para isso, o que custou muitas vidas.

Minha família se mudou para a França, onde, 11 anos depois, a Alemanha nazista invadiu o país. Os judeus estiveram entre os primeiros alvos, vistos como “sub-humanos” ou “vermes”. Ao desumanizar os judeus, ficou mais fácil para os nazistas obterem apoio para cometer genocídio contra todo um povo.

Como avalia a forma como o presidente Joe Biden mediou o conflito entre Israel e Palestina? O presidente deixou claro o forte apoio dos EUA a Israel e a necessidade de Israel proteger seus cidadãos contra os milhares de mísseis disparados de Gaza, controlada pelo Hamas. Isso reflete a amizade de décadas de Biden com o país. Há um longo histórico de proximidade do povo judeu com o presidente. Por meio de casamentos, há vários judeus em sua família hoje. Ele tem compreensão profunda da história judaica e do Holocausto e consciência do perigo do ressurgimento do antissemitismo agora.

Há como solucionar o conflito entre israelenses e palestinos? Com certeza. A solução foi compreendida já em 1947, inclusive por estadistas ilustres como o brasileiro Oswaldo Aranha, que presidia a Assembleia-Geral da ONU. A resposta, naquela época e agora, é a criação de dois Estados para dois povos. Um Estado, Israel, existe desde 1948. O outro, um Estado palestino, deveria ter sido oficializado na mesma ocasião. Tragicamente, as lideranças palestinas têm rejeitado todas as oportunidades para isso. Com um espírito de boa vontade e comprometimento, esse desfecho ainda é possível.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro se coloca como defensor de Israel. Como vê esse apoio e um certo uso eleitoral da imagem de Israel? Como um amigo de longa data de Israel, aprecio outros amigos do país, incluindo o Brasil hoje. Ao mesmo tempo, seria inapropriado comentar um assunto da política interna de um país que visitei diversas vezes, mas do qual não necessariamente entendo suas complexidades.

O que os governos podem fazer para conter o antissemitismo? Devem deixar claro que há tolerância zero. Hesitação, ambiguidade ou fraqueza só servem para empoderar os antissemitas. E não se trata só de declarações oficiais, mas de mobilizar as autoridades de educação, as forças de segurança, o Judiciário e a sociedade civil para reagir de modo rápido e claro. Uma ação tangível é adotar a definição de antissemitismo da Aliança Internacional de Memória do Holocausto, e nossa esperança é que o Brasil siga a Argentina e o Uruguai e também a adote. De modo geral, um ataque a um judeu, a uma sinagoga ou a um cemitério judeu devem ser vistos como um ataque ao país como um todo e ao seu compromisso de proteger todos os cidadãos, independentemente de raça, religião ou etnia.

Na pandemia, algumas pessoas compararam medidas de restrição e a aplicação de vacinas ao Holocausto. Por que essas associações se tornaram frequentes? Essas tentativas são nada menos que ultrajantes. Mostram uma total falta de entendimento sobre o que foi o Holocausto e o que suas vítimas suportaram. Como pode haver comparação entre homens, mulheres e crianças judias, forçados a usar um sinal de identificação amarelo, deportados para campos de concentração brutais e assassinados em câmaras de gás, com aqueles que hoje são orientados a ficar em casa para proteger a própria saúde e que têm sido encorajados a receber vacinas capazes de salvar vidas?

Qualquer inconveniente que todos nós experimentamos desde 2020 não são nem remotamente comparáveis ao que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial.

Lá Fora

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Raio-x

David Harris, 71
Nascido em Nova York em 1949, tem doutorado na London School of Economics. Começou a trabalhar no AJC em 1979 e, em 1990, tornou-se diretor-executivo. Faz parte do think tank Council on Foreign Relations.

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