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Escândalos mergulham peronistas em crise e fortalecem Javier Milei

Indiciamento de ex-presidente da Argentina Alberto Fernández por agressões contra ex-primeira-dama chocou país

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Ciara Nugent
Financial Times

O movimento peronista da Argentina foi envolvido em um escândalo que tende a beneficiar o presidente libertário Javier Milei, além de estender a paciência pública em relação ao seu programa de austeridade.

Promotores federais apresentaram acusações de violência doméstica contra o ex-presidente Alberto Fernández na quarta-feira (14), após denúncias feitas por sua ex-esposa Fabiola Yañez de que ele a agrediu várias vezes enquanto ambos moravam na residência presidencial da Argentina, de 2019 a 2023.

Então presidente argentino, Alberto Fernández participa de cerimônia na Casa Rosada - AFP

Fotos vazadas que mostram Yañez com hematomas no olho e no braço foram amplamente divulgadas pela mídia argentina. A ex-primeira-dama confirmou a autenticidade das imagens, embora tenha dito que não queria que o conteúdo fosse divulgado.

Os promotores tomaram conhecimento das acusações de abuso na semana passada, enquanto investigavam denúncias separadas de que Fernández havia direcionado de forma indevida negócios lucrativos da corretagem de seguros estatais para um amigo durante seu mandato na Presidência.

Procurado, o advogado de Fernández negou tanto as acusações de violência doméstica quanto de tráfico de influência.

O ex-presidente disse ao jornal espanhol El País, em entrevista publicada na segunda (12), que nunca havia batido em Fabiola [nem] em qualquer mulher. Também afirmou que alguém a incentivou a ex-primeira-dama a acusá-lo e acrescentou que o governo de Milei estava explorando o caso.

O escândalo, em rápida evolução, aprofundou uma crise mais ampla para o peronismo, o movimento político que dominou a política argentina por 80 anos, movendo-se bruscamente para a esquerda ao longo das últimas duas décadas sob a influência da ex-presidente Cristina Kirchner, que não tem relação com Fernández. Permanece a maior força no Congresso mesmo após a eleição de Milei em novembro.

Já lutando para encontrar um novo líder e uma nova mensagem após a derrota, o movimento agora enfrenta acusações de hipocrisia pelos eleitores depois que Fernández fez dos direitos das mulheres uma bandeira de sua administração.

"Ele disse tudo isso sobre igualdade de gênero e estava batendo em sua esposa. O que você pode dizer? Ele é o melhor mentiroso da Argentina", disse Manuel, 75, no bairro de classe média de Chacarita, em Buenos Aires. Ele se identifica como peronista, mas anulou seu voto nas eleições de 2023 por causa da raiva provocada pela crise econômica no país.

"A corrupção é uma coisa —eu já achava que ele era corrupto— mas ver que ele bateu em sua esposa, isso me chocou", disse Virgínia, 62, administradora de saúde, que votou em Milei. "Os peronistas estão em queda livre."

Print do site Infobae mostra fotografias de Fabiola Yáñez que foram anexadas ao processo judicial - Reprodução

Milei aproveitou as acusações como uma vindicação de sua autodeclarada "batalha cultural" contra os movimentos feministas e de direitos humanos da Argentina, que incluiu a dissolução do ministério das mulheres.

"Todas essas coisas estavam acontecendo enquanto a mídia nos dizia que eles eram os bonzinhos, enquanto chamava de vilões aqueles de nós que querem que a Argentina seja livre", escreveu Milei na plataforma X na terça (13).

Declarações detalhadas da ex-primeira-dama aos promotores e uma série de vazamentos —incluindo um vídeo de Fernández professando seu amor a uma apresentadora de rádio 25 anos mais jovem em seu escritório presidencial— inundaram a mídia argentina. A autenticidade do vídeo não foi questionada pelos envolvidos.

O ex-presidente enfrentará audiências judiciais nos casos de abuso e corrupção nos próximos meses.
Sob pressão dos legisladores, Fernández, que já era profundamente impopular, renunciou à presidência formal do principal partido peronista na quarta.

Analistas dizem que o momento do escândalo é útil para Milei, um ex-comentarista de televisão que fez campanha com a promessa de varrer a "casta política corrupta" que ele culpa pela inflação estratosférica da Argentina.

O programa de austeridade extrema de Milei teve sucesso em reduzir a taxa mensal de inflação de um pico de 26%, em dezembro, para 4% em julho, mas também causou dor aos argentinos: os gastos do consumidor despencaram e mais de 175 mil empregos formais foram eliminados desde que ele assumiu o cargo.

O apoio ao presidente, embora notavelmente estável, havia mostrado recentemente "sinais de estresse" em meio à volatilidade na taxa de câmbio do mercado negro do peso, disse Lucas Romero, diretor da empresa de pesquisa Synopsis. Ele disse que a desaprovação do atual presidente havia aumentado 5 pontos percentuais nos últimos dois meses, chegando a 49,2%.

Embora os escândalos de Fernández não necessariamente melhorem a aprovação do presidente, "isso lhe dará mais tempo ao tornar as pessoas mais pacientes", disse Romero. "Isso [escândalo envolvendo Fernández] alimenta a raiva contra a classe política que elegeu Milei."

O escândalo relacionado ao tráfico de influência gira em torno de uma ordem dada por Fernández para que os contratos de seguros do governo fossem feitos exclusivamente com uma empresa estatal que usava corretores, incluindo o marido de sua secretária.

Fernández disse em uma rádio local, em fevereiro, que a decisão não foi irregular. "Eu não roubei nem participei de nenhum acordo sujo", afirmou.

Analia, uma vendedora de produtos de limpeza de 51 anos, disse que era "irritante ouvir sobre dinheiro sendo [mal utilizado] quando estamos passando por um momento tão difícil economicamente".

"Todos os nossos governos têm engolido nosso dinheiro", disse ela. "Eu não concordo com tudo o que Milei faz, mas acho que ele tem um ponto de vista diferente."

O peronismo, que começou na década de 1940 com uma aliança entre o general Juan Domingo Perón e os sindicatos trabalhistas, continua poderoso. A coalizão peronista União pela Pátria controla 46% dos assentos no Senado da Argentina e 39% na Câmara Baixa, em comparação com 10% e 15%, respectivamente, do A Liberdade Avança, de Milei.

Mas analistas dizem que os peronistas não conseguiram se unificar diante um líder ou de uma mensagem para os eleitores desde a derrota eleitoral, limitando a capacidade do movimento de bloquear a agenda legislativa de Milei ou de mobilizar grandes protestos de rua.

"Não há uma resposta clara dos peronistas sobre o que fazer em relação à [crise econômica] ou à insegurança ou a qualquer um dos maiores problemas da Argentina", disse Juan Germano, diretor da empresa de pesquisas Isonomía. "Eles estão presos em uma posição de defesa do status quo, quando há uma demanda avassaladora por mudanças."

O escândalo aprofundou o vácuo de poder no grupo e intensificou suas disputas internas. Kirchner continua sendo a figura mais influente do movimento, mas é considerada profundamente divisiva entre os eleitores —ela mesma condenada por acusações de corrupção em 2022.

Kirchner tentou se distanciar do governo de Fernández, no qual atuou como vice-presidente. "Alberto Fernández não foi um bom presidente", escreveu ela na sexta-feira no X. "Mas as fotos [das supostas agressões contra Yañez] são algo diferente... elas revelam os aspectos mais sombrios e sórdidos da condição humana."

Juan Negri, professor de política na Universidade Torcuato Di Tella em Buenos Aires, disse que o escândalo aceleraria a busca por um novo líder, no qual "parece lógico" que candidatos pró-Kirchner, como o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, perderão terreno para peronistas anti-Kirchner mais moderados.

Ele disse que a crise beneficiaria Milei, mas acrescentou: "Isso não é um salva-vidas eterno para ele. As pessoas se importam com esses detalhes sórdidos, mas o que importa aqui é a economia".

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