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Descrição de chapéu Eleições na Venezuela

Oposição aposta em fraqueza de Maduro, mas teme que ele se aproveite de negociação

Interlocutores de coalizão de González e María Corina não descartam incluir outro mediador no diálogo, talvez europeu

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Buenos Aires

Esperança não é uma palavra presente no vocabulário dos interlocutores da oposição na Venezuela atualmente, exatas duas semanas após o anúncio oficial da vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais e a contestação internacional desse resultado.

Ainda assim, eles projetam cenários possíveis. De maneira reservada, pessoas próximas ao candidato Edmundo González e à líder opositora María Corina Machado relatam apostar na debilidade do ditador para forçá-lo a negociar e destacam o papel do Brasil nessas conversas, embora não descartem um convite a um negociador europeu. Temem, porém, que Maduro aceite dialogar apenas para manter o status quo da ditadura.

O ditador Nicolás Maduro no Tribunal Supremo de Justiça em Caracas - Reuters

O desafio número um, afirmam esses interlocutores à Folha, é fazer Maduro aceitar a negociar. O ditador não deu nenhum sinal de disposição até o momento, fato que também preocupa autoridades do Itamaraty em Brasília.

Para alguns, porém, será a debilidade do líder dentro do próprio chavismo que o forçará a uma conversa.

Nas palavras de uma das pessoas que sustenta essa visão, a estratégia seria então seguir insistindo para que o rei fique nu. A interpretação é de que, embora Maduro hoje se sustente nos tentáculos do chavismo em todas as áreas do poder, ele já não é benquisto nas fileiras de sua força política. Além disso, a maneira como conduziu o processo eleitoral, sem divulgar as atas, envergonhou a muitos.

É nesta tarefa de pressioná-lo que a oposição vê um papel central do trio (ou "troika", como ela vem sendo apelidada) Brasil, Colômbia e México. São três países com diálogo com Maduro. No alto escalão da campanha opositora, a opinião é de que os laços históricos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o chavismo, a diplomacia profissional do Itamaraty e a entrada que Celso Amorim, o assessor do presidente brasileiro, tem com o entorno do ditador fazem de Brasília um dos atores mais importantes desse movimento.

Mas ainda faz falta "uma crise que ameace o governo para que ele compreenda que é melhor negociar do que se manter incrustado no poder", diz Phil Gunson, analista do Crisis Group há mais de duas décadas baseado em Caracas. "A questão é: quando vai ocorrer essa ebulição na massa crítica?", ele questiona.

O descontentamento com o chavismo é aparente em sua base e em partes de suas fileiras de poder. Mas Maduro foi por muito tempo hábil em silenciá-lo. Neste momento em que seu regime vive um de seus momentos mais difíceis, a campanha de repressão em larga escala ameaça as principais vozes críticas que poderiam vir à tona. "Hoje não há Estado de Direito na Venezuela", diz Gunson.

Mesmo que vencida esta primeira etapa e, convencido da debilidade, Maduro se sentasse a negociar, a oposição ainda teria que lidar com uma série de outros dilemas. Interlocutores temem que o ditador use um diálogo para oxigenar a situação sem promover mudanças significativas —e, nas palavras de uma dessas pessoas, dar uma patada na mesa de negociação assim que perdesse a paciência.

Hoje, avalia-se que foi isso que o ditador fez com o Acordo de Barbados, que travou com a oposição em 2023. Na época, Maduro se comprometeu a convocar eleições com a presença de observadores internacionais. Assim o fez, mas no caminho: 1) inabilitou a principal líder opositora, María Corina; 2) concentrou os recursos do Estado; 3) desconvidou o principal observador internacional do pleito, a União Europeia (UE); 4) dificultou que um contingente de 7 milhões de pessoas no exterior votasse.

Barbados está morto, diz um dos interlocutores de María Corina. Ele afirma que a ideia é embrionária, mas que o grupo não descarta convidar um interlocutor europeu para a negociação. Isso porque ainda vê Brasil, Colômbia e México como governos mais próximos a Maduro.

Para a oposição se sentar à mesa de negociação, seriam necessárias garantias mínimas. A saber: liberar os presos após a eleição; dar salvo-conduto aos seis asilados políticos que hoje residem na embaixada da Argentina em Caracas; derrubar os processos contra Edmundo González e María Corina. Seria como baixar o tom do debate em alguns decibéis, diz uma dessas pessoas.

Os interlocutores também frisam que não há negociação real que não inclua María Corina na mesa. Muitos setores, incluindo alguns de Brasília, resistem em negociar com a líder. De tendência liberal, ela protagoniza protestos contra o chavismo há 20 anos, mas foi a única a conseguir agrupar os opositores recentemente.

A oposição, como manifestou a própria María Corina, está ciente do que teria de oferecer em termos de concessões e garantias. O salvo-conduto para deixar o país poderia ser ofertado a Maduro. O Panamá, um dos países com os quais Caracas rompeu relações, chegou a afirmar que daria asilo político a Maduro, permitindo que ele passasse por seu território para se dirigir a um país terceiro, em uma estratégia do novo presidente José Raúl Mulino para se tornar um ator internacional relevante. "Se essa é a nossa cota de cooperação para uma saída na Venezuela, assim o faremos, e já comuniquei isso a Lula", disse Mulino.

O xis da questão é como negociar. A maior possibilidade, a de coabitação entre regime e opositores, é vista como de alto risco, mas a mais provável. Mesmo que assuma o Executivo, a oposição ainda terá de lidar com um Legislativo, um Judiciário, um Poder Eleitoral e um Ministério Público chavistas.

Maduro deu até aqui provas de que a coabitação não é uma opção para ele. Em 2015, quando a oposição conquistou maioria no Legislativo, o ditador inicialmente aceitou. Até que tirou o poder da Casa, convocou uma Assembleia Constituinte e sufocou a oposição.

A oposição poderia oferecer ao regime que ele seguisse no controle de instituições-chave para assegurar sua imunidade, como o Supremo e as Forças Armadas. Como lembra Phil Gunson, a estratégia seria similar ao que ocorreu nos anos 1990 na Nicarágua, quando Violeta Chamorro foi eleita após anos da Revolução Sandinista.

Estrategicamente, ela optou por manter o Exército sob o controle dos sandinistas, mais especificamente de Humberto Ortega, irmão de Daniel Ortega, como forma de assegurar um pacto de transição e paz.

Humberto cumpriu seu papel de transição. Mas seu irmão é hoje o líder de um regime autoritário que controla a mão de ferro.

Membros da oposição não chegaram a um consenso sobre, nas palavras de um deles, o quanto de impunidade estariam dispostos a negociar. Mas também sabem que qualquer oferta de anistia, por exemplo, exigiria um diálogo maior.

Nos EUA, por exemplo, Maduro é acusado de ter comandado, junto com seus principais aliados, um esquema narcoterrorista com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) por 20 anos. Ainda assim, altos membros da diplomacia americana já manifestaram reservadamente a autoridades brasileiras que estariam abertos a debater a derrubada dessas medidas.

Também seria preciso negociar com o Tribunal Penal Internacional (TPI) que, baseado em Haia, investiga o regime de Maduro por potenciais crimes contra a humanidade, em especial as prisões que promoveu ao reprimir uma onda de protestos contra a ditadura em 2017.

Ainda mergulhados na incerteza, os membros da oposição concordam que é urgente que uma negociação comece o mais rápido possível. É para isso que trabalham Brasil, Colômbia e México, que potencialmente se reúnem no final da semana que vem na República Dominicana, durante a posse do presidente Luis Abinader.

Enquanto isso, a estratégia pública dos opositores é buscar algum racha nas fileiras militares. "Os militares e os policiais sabem que a porcentagem das suas fileiras que está na lista de acusações de crimes contra a humanidade é baixa. Então temos que apelar muito para que eles agora não se incluam nessa lista também", disse María Corina em áudio enviado a seus apoiadores neste sábado (10).

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