Descrição de chapéu Eleições na Venezuela

Dados mostram vitória clara de González na Venezuela, diz Carter Center à Folha

Organização afirma que Poder Eleitoral age de maneira enviesada e que chavismo impregnou as instituições do Estado

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Bogotá

O maior e um dos únicos observadores independentes da eleição presidencial na Venezuela, o Carter Center diz ter verificado os dados das atas eleitorais coletadas pela sociedade civil e por representantes de partidos opositores e confirmado que elas são consistentes.

Assim, a organização aponta que o opositor Edmundo González venceu de maneira clara e "por uma margem intransponível" o pleito.

Equipe de observadores do Carter Center apresenta credenciais a soldado para acessar centro de votação em Caracas durante dia de eleição presidencial
Equipe de observadores do Carter Center apresenta credenciais a soldado para acessar centro de votação em Caracas durante dia de eleição presidencial - Yuri Cortez - 28.jul.24/AFP

A instituição diz que os resultados coincidem com uma pequena amostra de dados coletados por seus observadores em campo no dia da votação e que não há dúvidas da vitória real da oposição. É uma das manifestações mais contundentes até aqui em favor de González.

Para a organização, o Poder Eleitoral no país é enviesado e não agiu de maneira independente no pleito que oficialmente elegeu o ditador Nicolás Maduro para mais seis anos de mandato.

"O chavismo está impregnado no Estado venezuelano de tal forma que está presente nas instituições que deveriam ser independentes de uma maneira frugal", diz à Folha Ian Batista, analista eleitoral na missão de observação que o Carter Center enviou a Caracas a convite do regime.

"Quem nomeia os reitores principais do Conselho Nacional Eleitoral é a Assembleia Nacional, que está 100% fechada com o chavismo. Não há instituições que poderiam balancear os Poderes. A Constituição prega algum nível de independência, mas como o chavismo está impregnado em todos os lugares, eles controlam todos os altos cargos."

Batista esteve por um mês na Venezuela para acompanhar o período pré-eleitoral e o pleito de 28 de julho. Com ele, outros 16 analistas do Carter Center se dividiram entre Caracas e cidades do interior.

Mas, de supetão, a equipe deixou o país nos dois dias que sucederam a eleição. Quando o último de seus membros saiu do território venezuelano, o centro publicou um comunicado oficial taxativo no qual dizia que o pleito não fora democrático.

"A gente não recebeu nenhum tipo de intimidação por parte do governo ou da autoridade eleitoral. Mais do que isso, todas as condições do memorando de entendimento que assinamos em abril com Caracas, para termos liberdade de movimento, de expressão e de acesso ao processo, foram cumpridas", relata Batista.

"Mas os fatos da noite do domingo de votação, especialmente o de que o CNE não apresentou um resultado transparente e granular dos votos, e a oposição clamar ter esses números, nos fizeram esperar protestos populares, possivelmente com repressão por parte do governo e muito isolamento internacional. Entendemos que, por razão de segurança dos nossos membros, a gente precisava sair do país."

O nome da organização baseada em Atlanta, nos Estados Unidos, aparece nos Acordos de Barbados, que, cada vez mais enfraquecidos, foram assinados entre regime e oposição em outubro passado. O texto celebrado internacionalmente previa convites a missões de observação eleitoral para o Carter Center, a União Europeia, a ONU e a União Africana.

Mas o Carter Center virou peça central depois que, repentinamente e sem debater entre todas as autoridades eleitorais, o CNE desconvidou o bloco europeu, e a ONU enviou apenas um painel de especialistas que, pelo regramento das Nações Unidas, não emite declarações públicas de avaliação sobre a condução do processo.

Os pesquisadores do Carter Center hoje se permitem fazer um adendo aos elogios que seu fundador, o ex-presidente americano Jimmy Carter, teceu há mais de uma década. Em setembro de 2012, poucos dias antes de Hugo Chávez (1954-2013) ser reeleito, ele afirmou que o sistema eleitoral venezuelano era o melhor do mundo.

"De fato é um excelente sistema eleitoral, se fosse implementado na sua essência e como está previsto em lei", diz Batista.

"É boa prática internacional que sistemas eletrônicos de votação tenham um sistema paralelo de conferência do voto, geralmente em papel. O papel e a conferência ao final da votação dos números da máquina e dos comprovantes geram confiança na população."

"Existe uma robusta série de auditorias realizadas no sistema da Venezuela. São independentes, nós as acompanhamos. Agora: eles têm a capacidade de divulgar os resultados granulados e até agora não o fizeram", declara.

"Os militares nesse momento possuem a custódia de todas as atas. Essa demora para divulgá-las não é plausível. O fato de que não fizeram isso até agora levanta sérias suspeitas sobre o resultado geral que foi anunciado pela autoridade eleitoral."

A equipe do Carter Center afirma ter encontrado o que chama de graves desequilíbrios em diversas etapas do processo eleitoral ao compará-las com boas práticas para um pleito democrático.

"O registro de eleitores não atendeu ao padrão internacional", relata Batista. "Os imigrantes não tiveram oportunidade de se registrar. Existe uma estimativa de que 3 milhões de venezuelanos dentro do país tampouco conseguiram atualizar o registro eleitoral porque migraram internamente, e o período proposto pela autoridade eleitoral para atualização foi insuficiente para atender a essa demanda."

Ele também menciona a atuação do CNE, que descreve como não independente. "O CNE não foi aberto para os atores políticos como foi aberto para o governo. Esse tipo de não abertura foi até físico: temos relatos de representantes partidários que eram impedidos de entrar para levar qualquer tipo de comunicado formal à autoridade eleitoral. Isso é realmente bastante grave."

Batista descreve o que chama de abuso de recursos estatais para Maduro. Menciona, por exemplo, publicações nas redes sociais da Receita Federal venezuelana em campanha pelo líder do regime e uma simulação de eleição realizada um mês antes do pleito real, na qual ônibus e carros com adesivos de propaganda do regime levavam eleitores para os centros de votação.

"É importante lembrar que, em eleições passadas, o PSUV [partido de Maduro], que sempre teve maior capacidade de mobilização de testemunhas eleitorais, sempre se prendeu à existência dessas atas para confirmar o resultado das eleições. O que muda nesse pleito é essa capacidade considerável que a oposição teve de também mobilizar suas testemunhas e de estar presente nos centros de votação."

A equipe do Carter Center ainda levará alguns meses para divulgar seu informe final sobre o pleito, mas já se tornou alvo de ataques do regime. O ditador afirmou que a organização já estava com o relatório pronto antes mesmo de acompanhar o pleito. Depois, seu chanceler, Yván Gil, disse que a entidade "mente descaradamente". "Uma vergonha colocar essa instituição em um plano de golpe de Estado", disse.

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