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Ditadura da Venezuela torna opositores inelegíveis e sepulta perspectiva de eleição livre

Medida atinge ex-deputada que aparece como nome mais viável nas primárias oposicionistas de outubro

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São Paulo

Os principais nomes da oposição ao regime do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, estão inabilitados para exercer cargos públicos. Na prática, a decisão da Controladoria-Geral, compartilhada pelo deputado José Brito nesta sexta (30), sepulta as perspectivas de eleições livres e democráticas em 2024.

A medida atinge a principal representante da oposição hoje, a ex-deputada María Corina Machado, que fica inelegível por 15 anos. Além dela, os líderes opositores Henrique Capriles, duas vezes candidato à Presidência, e Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido como presidente interino por mais de 50 países, também não poderão disputar o pleito no ano que vem.

A líder opositora venezuelana María Corina Machado durante comício em Maturin
A líder opositora venezuelana María Corina Machado durante comício em Maturin - Leonardo Fernandez Viloria - 28.mar.23/Reuters

A inabilitação de Corina, 55, dá-se por irregularidades administrativas da época em que foi deputada, de 2011 a 2014, segundo a Controladoria-Geral. A medida foi imposta contra ela em 2015, mas tinha vigência de um ano apenas. A extensão, alega o órgão, seria porque ela apoiou sanções dos EUA contra Maduro.

Corina é opositora ferrenha do chavismo e vinha despontando como o principal nome para as primárias da oposição. Nas redes sociais, ela disse que a medida é inútil. "Isso só demonstra que o regime já sabe que está derrotado", escreveu. "Agora votaremos com mais força, mais rebeldia e vontade nas primárias."

O também opositor Capriles saiu em defesa da ex-deputada. "A inabilitação de María Corina é uma ação inconstitucional, infundada e vergonhosa", disse ele. "Rechaçamos de maneira categórica esse novo exemplo do rumo antidemocrático de Maduro e de seu regime."

Mais moderado, Capriles, 50, está impedido de exercer cargos públicos desde 2017, numa sentença também válida por 15 anos. Ainda assim, ele foi escolhido para representar a legenda opositora Vontade Popular nas primárias da oposição, previstas para outubro —as condições da disputa ainda são obscuras.

No caso de Capriles, a punição foi determinada por supostas irregularidades administrativas de 2011 a 2013, quando ele era governador de Miranda, no norte do país.

Decisão semelhante foi tomada contra Guaidó, 39, acusado pelo regime em 2019 de não explicar a origem de fundos que utilizou para pagar por viagens ao exterior, além de ter rendimentos incompatíveis com seus gastos. Também proibido de ocupar cargos públicos por 15 anos, ele está em autoexílio nos EUA.

Há grandes dúvidas sobre a viabilidade das eleições venezuelanas. Há poucas semanas, houve uma debandada da ala chavista do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o que foi interpretado pela oposição como uma medida de boicote às eleições gerais —na prática, as renúncias impedem as atividades por falta de quórum justamente no momento em que o órgão prestaria assistência para a oposição escolher o seu candidato da disputa do ano que vem.

Esse conselho, formado em um momento de grande pressão internacional sobre Maduro, substituiu um órgão provisório acusado de fraude nas eleições de 2020, quando o Parlamento foi renovado, e de 2018, quando o ditador foi reeleito em votação contestada dentro e fora da Venezuela. Com nova formação, o CNE foi responsável por organizar as eleições regionais de 2021, nas quais a União Europeia, que acompanhou como observadora, relatou a persistência de desigualdades no acesso aos recursos estatais para campanha e na exposição midiática, embora tenha indicado "melhores condições".

Com temor de fraude, a oposição decidiu que as eleições para definir seu candidato serão autogeridas e terão voto manual. "Não tinha outra alternativa", afirmou na ocasião Capriles. "Maduro, em sua obsessão por se manter no poder [...], desde o primeiro dia buscava implodir o processo das primárias."

A decisão da Controladoria-Geral venezuelana foi anunciada no mesmo dia em que o ex-presidente Jair Bolsonaro foi declarado inelegível por oito anos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O brasileiro foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação após mentiras e ataques ao sistema eleitoral, em processo diferente do que ocorreu com os opositores na Venezuela, denunciado por órgãos internacionais como fraudulento e perseguição política.

Em março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou o assessor especial da Presidência para assuntos de política externa, o ex-chanceler Celso Amorim, a Caracas, para conversar com Maduro e com representantes da oposição sobre as eleições.

O diplomata retornou ao Brasil afirmando estar otimista. "Todos manifestaram lá o desejo de eleições competitivas. É a expectativa real. Em 20 anos de contato com o país, nunca vi um clima tão grande de incentivo à democracia", disse ele à Folha na ocasião.

Nas últimas semanas, declarações de Lula sobre a ditadura da Venezuela levaram a críticas públicas. Nesta quinta (29), por exemplo, ele relativizou as críticas ao regime de Maduro alegando que a democracia é um conceito relativo.

Para reforçar seu argumento, Lula ressaltou que a Venezuela teve mais eleições que o Brasil nos últimos anos —não mencionou, porém, que o pleito que reelegeu Maduro em 2018 é amplamente questionado e não foi acompanhado por observadores internacionais, como é praxe em eleições livres e democráticas.

Antes, em maio, o brasileiro disse que as acusações de falta de democracia na Venezuela não passam de uma narrativa, em encontro com líderes da América do Sul em Brasília, que teve participação de Maduro.

"Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm contado contra você", disse Lula.

Na Venezuela, o autoritarismo começou ainda no governo de Hugo Chávez, especialmente depois que ele sofreu uma tentativa de golpe em 2002. Em 2009, o líder fez uma emenda na Constituição para permitir reeleições ilimitadas. Falava em ficar no poder até 2030, enquanto perseguia opositores e minava a liberdade de imprensa.

Mas foi depois que ele morreu, devido a um câncer, em 2013, que seu vice, Maduro, passou a mostrar a face mais autoritária do regime, tentando se manter no poder com uma taxa de popularidade que nunca se aproximou da registrada pelo antecessor e sendo tachado por setores chavistas como "neoliberal".

Em 2017, por exemplo, após perder o controle do Parlamento, o ditador criou uma Assembleia Constituinte com amplos poderes para neutralizar a oposição. O chavismo também domina o Tribunal Supremo de Justiça, instância máxima do Judiciário. Ele se reelegeu em 2018 sob eleições muito questionadas e sem o acompanhamento de observadores internacionais.

A ocorrência de uma série de crimes contra a humanidade também foi denunciada. Em abril, a Corte Penal Internacional divulgou um informe reunindo 1.746 denúncias. Em setembro passado, a ONU já havia publicado relatório com 122 casos desde 2014. Espancamentos, uso de descargas elétricas e asfixia são algumas das práticas relatadas por opositores da ditadura.

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