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Marcelo Yamashita, Alexandre Rocha e George Matsas

Homeopatia no SUS? Melhor não

Brasil não deveria fomentar prática sem embasamento científico

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Marcelo Yamashita Alexandre Rocha George Matsas

Homeopatia é uma palavra formada pelas expressões gregas "homeo" (semelhante) e "pathos" (sofrimento). Como prática médica, foi criada por Samuel Hahnemann no fim do século 18. Hahnemann postulou dois axiomas.

O primeiro é que substâncias que causem sintomas parecidos a uma enfermidade podem ser utilizadas para curar a própria enfermidade —“semelhante cura semelhante”. A ideia geral é que, por exemplo, cafeína deve curar insônia.

Protesto contra a homeopatia em São Paulo; grupo ingeriu overdose de remédios homeopáticos para "provar" que não funcionam - Paula Giolito - 05.fev.11/Folhapress

Para escapar do patente absurdo que seria encher um insone de café preto, o segundo axioma, o da ultradiluição, entra em cena: o medicamento homeopático é preparado através de sucessivas diluições do princípio, normalmente em água. Às vezes, a solução produzida dessa forma é consumida diretamente pelo paciente, ou aspergida sobre glóbulos de açúcar que serão, então, consumidos como medicamento.

Um medicamento homeopático usual tem uma diluição chamada de 30 CH, ou “centesimais hahnemannianas”. Isso equivale a 1 parte de princípio ativo em 1060 (o número 1 seguido de 60 zeros) partes do solvente. Pode-se afirmar com segurança que, nesse nível de diluição, a probabilidade efetiva de se encontrar uma única molécula do princípio ativo na solução é zero. Essa diluição é equivalente a dissolver uma xícara de café em um recipiente do tamanho de uma galáxia, cheio de água.

Homeopatas alegam que o processo de sucussão ou dinamização —o ato de agitar violentamente a mistura a cada etapa de diluição— de algum modo preserva o poder medicinal do princípio ativo, mesmo em sua completa ausência. Não existe, porém, relação lógica, ou princípio físico, que permita afirmar tal coisa. A ideia de potencialização por sucussão é supersticiosa.

Como não há teste de laboratório capaz de distinguir um preparado homeopático 30 CH de água limpa, foi gerada a hipótese da “memória da água”: a água guardaria certas propriedades das coisas que entram em contato com ela.

Não há evidência confiável de que a água preserve a assinatura físico-química de um princípio ativo, já ausente, para justificar a homeopatia. Afirmar o contrário é, mais uma vez, ceder à superstição.

É possível encontrar estudos mostrando algum possível efeito da homeopatia. Todavia, a imensa maioria é composta por trabalhos de qualidade duvidosa, com problemas no planejamento experimental ou publicados em revistas de reputação fraca. É o equivalente científico de amigos que criam um grupo de WhatsApp para compartilhar suas afinidades.

Na última década, pelo menos três órgãos governamentais sérios —o Comitê de Ciência e Tecnologia do Parlamento Britânico, o Conselho Nacional de Pesquisa Médica da Austrália e a Alta Autoridade de Saúde da França— debruçaram-se sobre a questão do saldo final da literatura científica sobre homeopatia e chegaram, cada um deles, à mesma conclusão: uma vez considerados os resultados científicos de boa qualidade, não há como negar que a prática é inútil.

Aqui no Brasil, a homeopatia ainda é inexplicavelmente reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina e é oferecida pelo SUS no rol das chamadas Práticas Integrativas e Complementares. Não há dúvida de que cada pessoa é livre para escolher o seu tratamento. Mas, a exemplo de Inglaterra e França, que estão parando de financiar a homeopatia, o Estado brasileiro também não deveria mais fomentar esta e outras práticas que não possuem absolutamente nenhum embasamento científico.

A maior parte dos “efeitos benéficos” atribuídos à homeopatia pode ser entendida como fruto do efeito placebo —um mecanismo psicológico que faz com que a pessoa se sinta melhor, ou que o corpo reaja melhor à doença, apenas graças à ilusão de tratamento. É importante notar que o efeito placebo é imprevisível e inespecífico. Não se pode garantir que vá se manifestar, e sua eventual ocorrência não depende do medicamento: um copo de água, uma boa conversa com um amigo ou uma pastilha de hortelã, por exemplo, poderiam desempenhar o mesmo papel.

Em condições de recursos escassos e frente ao imperativo da responsabilidade fiscal, não é plausível sustentar práticas baseadas em pensamento mágico no sistema público de saúde. É, portanto, urgente que o Ministério da Saúde reveja a inclusão da homeopatia e de outras práticas sem comprovação científica no SUS.

Marcelo Yamashita

Diretor do Instituto de Física Teórica da Unesp e do Instituto Questão de Ciência

Alexandre Rocha

Professor do Instituto de Física Teórica da Unesp e membro afiliado da Academia de Ciência do Estado de São Paulo

George Matsas

Professor do Instituto de Física Teórica da Unesp e membro titular da Academia de Ciência do Estado de São Paulo

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