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Hugo Aguilaniu

O vírus da ignorância

Quantos sabem avaliar o custo humano das grandes tragédias epidêmicas?

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Nos últimos dias, como muitos de nós, tenho ficado em casa, em home office, ajudando os filhos com os trabalhos escolares e testemunhando a transformação do mundo diante da crise de saúde pública. Isso me leva a refletir sobre o lugar (ou a falta de lugar) da ciência em nossa sociedade.

Ao observar a resistência de parte da população às restrições em vigor, me pergunto sobre a razão dessa desobediência. Além de um questionável espírito de protesto, tal atitude revela, acima de tudo, um desconhecimento profundo do que estamos vivenciando. A grande maioria não sabe como este vírus se reproduz e é transmitido. No entanto, os vírus fazem parte do mundo desde o início dos tempos e são tidos há muito como uma das ameaças mais graves para a saúde global.

O geneticista francês Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira - Ricardo Borges - 22.mar.17/Folhapress

Lembro de meus primeiros cursos de microbiologia: em pouco tempo pude entender que, embora invisíveis a olho nu, os microrganismos têm uma existência concreta e podem ser transmitidos com extrema facilidade. Umas poucas aulas práticas com placas de Petri e estirpes inofensivas de bactérias foram bastante eficazes para me fazerem compreender as noções básicas de esterilização, transmissão e contágio.

A falta de conhecimento histórico também é espantosa. Quem viveu a epidemia da Aids logo deduz que não respeitar o confinamento equivale a manter relações sexuais sem camisinha em meio ao surto de HIV. Esses paralelos são menos óbvios para os mais jovens, que nunca experimentaram a ansiedade e o risco associado à contaminação viral. Mais uma vez, algumas horas dedicadas a explicar a história das grandes epidemias poderiam mudar tudo. São relatos marcantes. Quantos ignoram a história da peste bubônica ou da gripe espanhola? Quantos sabem avaliar o custo humano dessas grandes tragédias?

Enfim, é bastante claro que poucos entendem o impacto da ciência nesta crise de saúde.
Sem as décadas de investimento robusto em pesquisas fundamentais, que, utilizando técnicas modernas de biologia molecular, nos permitiram detectar rapidamente o vírus por meio de sua sequência de ácidos nucleicos, o momento atual —já terrível— poderia ser ainda pior.

Muitos países já se voltaram para a pesquisa científica —a única saída para superar a epidemia. Anúncios de investimento chegam a bilhões de dólares. É o preço a ser pago para encontrar vacinas ou terapias antivirais com a rapidez necessária. Temos de fazer o mesmo. Depressa.

A primeira resposta é a consistência do nosso comportamento como sociedade: cada um deve estar disposto a desistir de certas coisas, a encarar alguns sacrifícios para que todos possamos, juntos, fazer o melhor.

A longo prazo, a única resposta para evitar a ocorrência dessas epidemias, ou pelo menos para reduzir seu impacto, depende da ciência e do nosso interesse nela. A cultura científica também nos impediria de embarcar em desinformações e fantasias nocivas.

A comunidade científica está plenamente mobilizada para informar, ensinar e proteger. Mas, para isso, precisa de investimento contínuo.

Hugo Aguilaniu

Biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira

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