A pandemia está transformando os debates em políticas públicas
Discussões são cruciais para a adesão e participação da sociedade em medidas propostas
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A pandemia de Covid-19 está sendo talvez o acontecimento global mais midiatizado até hoje. Não deve existir um noticiário que não abra com a contabilidade de casos e informações sobre onde estamos nas curvas de contágio ou como está ocorrendo o desconfinamento. Há um novo entendimento sobre um tema tão complexo como esta pandemia, que foi gerado por uma enxurrada de tecnicalidades, de indicadores de contágio como o famoso R0 à ainda mais famosa curva de pandemia que é preciso achatar ou às formas da recuperação econômica.
Hoje, muitos somos “epidemiologistas de bancada”, nos sentimos capazes de emitir uma opinião informada sobre a pandemia.
O público ganhou assim uma nova percepção sobre política pública e os processos de tomada de decisão, criando uma oportunidade para aumentar a capacidade do público em compreender como é formada a decisão em políticas públicas, promovendo o engajamento e escrutínio das mesmas.
O problema está no fato que o mundo vive hoje um sobressalto político e midiático (no Brasil, nos Estados Unidos da América, no Reino Unido, e em muitos outros países) em que o valor da informação técnica e científica e do conhecimento dos especialistas está em causa, num contexto em que a manipulação de políticas e recursos públicos é uma arma de batalha em sociedades fraturadas e polarizadas.
O valor da evidência científica, dos dados, dos indicadores e dos modelos, que agora na pandemia se tornaram mais compreendidos pelo público, está sendo questionado, e políticos que têm uma desconfiança (irracional) em relação aos fatos e ao conhecimento conduzem uma agenda de descredibilização da ciência.
Nas democracias, uma das principais causas e medidas de sucesso de políticas públicas é o nível de engajamento dos cidadãos envolvidos na concepção e implementação das mesmas. Este engajamento de agentes heterogêneos depende da sua percepção do quanto a política pública influencia suas vidas, que, por sua vez, se relaciona diretamente com a capacidade de compreender as informações que lhes são prestadas. Não se trata da ciência e da técnica tomarem o lugar da política, mas sim complementarem e servirem de base às políticas públicas.
Nesse sentido, políticas públicas baseadas em evidências só são evidentes com o debate público.
Somente o debate público baseado nos dados e em evidência permite entender a complexidade, as dependências e as desigualdades (na saúde, na educação, na habitação, de gênero e raça, econômicas) colocadas em relevo pela pandemia.
A transparência e o escrutínio são elementos imprescindíveis para potencializar o debate público.
A existência de controvérsias é necessária e saudável tanto para a política quanto para as políticas públicas. O debate e engajamento públicos não transcorrem sem dificuldades, especialmente quando o que está em pauta são métodos complexos de análise e previsão, cuja compreensão envolve uma série de barreiras. A deliberada exclusão de dados transgride limites científicos e democráticos. Atenta tanto a produção de evidências que informam políticas públicas quanto a dinâmica dos processos democratizantes. Mina a capacidade dos agentes públicos de produzirem políticas efetivas. Instaura a desconfiança do público e a ausência de engajamento por parte da sociedade. Cria confusão e insegurança na população. A decisão do STF em reverter as alterações na forma de divulgação e conteúdo dos dados do Ministério da Saúde (e a reação de cientistas, técnicos e mídia globais) vêm confirmar quão importante é a informação enquanto instrumento público.
Em democracia, as políticas públicas fazem, naturalmente, parte de uma agenda política sancionada pelo voto. Mas há um dever político de responsabilidade na sua elaboração.
O público não consegue distinguir muitas vezes o que é “política” do que são “políticas públicas”. Na língua inglesa "politics" (política) e "policy" (política pública) são conceitos distintos que auxiliam o público a blindar a politização (na sua forma extremada) das políticas públicas. Esses debates sobre a pandemia ajudam a aumentar a capacidade de distinção desses dois conceitos e mostram-se cruciais para a adesão e participação da sociedade nas medidas propostas.
Os agentes de política pública precisam agarrar com as duas mãos essa oportunidade para consolidar o engajamento da sociedade com as políticas públicas.
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