Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Diretor do Inpe será exonerado após críticas do governo a dados de desmate

Ministro da Ciência, Marcos Pontes, se reuniu com Ricardo Galvão nesta sexta; Inpe é criticado e questionado há duas semanas pelo governo

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Brasília e São Paulo

O ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) decidiu exonerar nesta sexta (2) o diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Ricardo Galvão, após críticas a dados sobre desmatamento considerados sensacionalistas pelo governo.

Pontes e Galvão se reuniram por cerca de duas horas na manhã desta sexta. Ao final, Galvão falou por três minutos a jornalistas.

Segundo ele, o motivo de sua exoneração foi porque seu discurso em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) criou constrangimento. Em entrevista à Folha no último dia 21, Galvão havia dito que até poderia ser demitido, mas que o instituto era cientificamente sólido o suficiente para resistir aos ataques do governo.

No dia 20, ao Jornal Nacional, Galvão afirmou que "ele [Bolsonaro] tem um comportamento como se estivesse em botequim. Ou seja, ele fez acusações indevidas a pessoas do mais alto nível da ciência brasileira, não estou dizendo só eu, mas muitas outras pessoas". "Isso é uma piada de um garoto de 14 anos que não cabe a um presidente da República fazer", disse o diretor do Inpe.

“Diante do fato, a maneira como eu me manifestei com relação ao presidente, criou-se um constrangimento que é insustentável. Então eu serei exonerado”, afirmou, nesta sexta, o diretor, que disse concordar com sua substituição.

Galvão afirmou que tinha preocupação de que suas críticas fossem respingar no Inpe. “Não vai acontecer”, ressaltou. Apesar de ter mandato de quatro anos com prazo para terminar no final do próximo ano, ele disse que no regimento do instituto está explícito que o ministro poderia, numa situação de perda de confiança, substituir o diretor do órgão.

Ele disse ainda ter indicado um nome para substitui-lo com o objetivo de continuar sua linha de ação à frente do instituto, mas não quis dizer quem seria, por ser prerrogativa do ministro escolher o novo diretor do Inpe.

Para Pontes, qualificado por Galvão como um ministro de “alta capacidade técnica”, o diretor do Inpe disse que não precisou defender a solidez dos dados do Inpe, questionados pelo presidente.

“Ele concorda inteiramente com os dados do Inpe, ele sabe como são os dados do Inpe. Foi só uma questão simples de comunicação que houve e que nós esperamos corrigir. Nós temos que aprender com os erros e temos que corrigir no futuro”, disse. Ele afirmou ainda que a conversa com Pontes foi “excelente” e “muito construtiva”.

“O ministro conversou comigo de um jeito muito cortês, e o que me deixou muito feliz foi a preservação do Inpe”, afirmou.

Pontes escreveu em sua conta no Twitter: "Agradeço pela dedicação e empenho do Ricardo Galvão à frente do Inpe. Tenho certeza que sua dedicação deixa um grande legado para a instituição e para o país. Abraços espaciais."

A exoneração ocorre depois de críticas reiteradas do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao Inpe nas duas últimas semanas por causa de dados que apontaram alta no desmatamento. 

Na quinta (1º), Bolsonaro ameaçou demitir Galvão de forma mais direta. "Se quebrar a confiança, vai ser demitido sumariamente. Perdeu a confiança, no meu entender, isso é uma pena capital", disse. "Eu lamento que alguns tenham mandato, não sei se no caso dele tem mandato ou não. A gente não pode tomar uma decisão mais drástica no tocante a isso, porque o estrago é muito grande", afirmou.

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O diretor do Inpe, Ricardo Galvão - Futura Press/Folhapress

No dia 19 de julho, em café da manhã com jornalistas estrangeiros, Bolsonaro questionou os dados de desmatamento.  “Com toda a devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido”, disse. “É lógico que eu vou conversar com o presidente do Inpe. [São] Matérias repetidas que apenas ajudam a fazer com que o nome do Brasil seja malvisto lá fora”, disse mais tarde no mesmo dia. 

O presidente afirmou também que os dados do Inpe não correspondiam à verdade e sugeriu que Galvão poderia estar a “serviço de alguma ONG.”

Ricardo Galvão respondeu aos ataques. No dia 21 de julho, disse que poderia até ser demitido, mas que o Inpe não poderia ser atacado. “A única coisa que o Inpe faz é colher dados, nada mais, mas havia insatisfação sobre isso. Isso [as críticas] estava concentrado no MMA e eu não esperava que subisse à presidência da república, mas aparentemente subiu, não sei exatamente pelo esforço de quem”, disse à Folha.

O Inpe também rebateu oficialmente todas as acusações feitas por Bolsonaro e Salles. Nesta quinta, o instituto divulgou nota na qual afirma que seu trabalho "sempre foi norteado pelos princípios da excelência, transparência e honestidade científica".

Nos bastidores, o ministro Marcos Pontes demonstrava apoio ao Inpe e aos dados do desmatamento. A situação mudou após a publicação, em rede social, de um comunicado no qual o ministro afirmava compartilha a “estranheza” de Bolsonaro em relação aos dados de desmate.

Em seguida, no encontro anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em Campo Grande, Pontes defendeu restrições à publicação de dados do desmatamento

Por fim, o diretor do Inpe deveria participar de uma reunião sobre dados de desmate que ocorreu na quarta (31), com Salles, Pontes e representantes do Inpe e do Ibama. Galvão, porém, foi desconvidado de última hora. O encontro com o ministro da Ciência, que culminou com a exoneração de Galvão, foi então marcado para esta sexta.

O engenheiro Ricardo Galvão foi nomeado diretor do Inpe em 2016 pelo então ministro Gilberto Kassab, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações Comunicações). Na época, Galvão era professor titular da USP e presidente da Sociedade Brasileira de Física. Também é membro do conselho da Sociedade Europeia de Física e ex-diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.

Sua nomeação na época saiu com quatro meses de atraso. À época, Galvão disse acreditar que a demora não se dava por má vontade política, mas, sim, por uma questão de "conjectura" do governo. 

Galvão é graduado em engenharia de telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em engenharia elétrica pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e doutor em física de plasmas aplicada pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), com livre-docência em física experimental pela USP (Universidade de São Paulo). É membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

​As informações sobre desmatamento produzidas pelo Inpe —tanto o Deter quanto o Prodes, que mede o desmate anual— são públicas e podem acessadas pelo portal TerraBrasilis, do Inpe. A plataforma pode ser acessada aqui.

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