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Camila F. Camargo Dantas e João Camargo

Desoneração da folha, a marcha da insensatez

Injustiça fiscal sabota a mais exitosa reforma estrutural dos últimos anos

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Camila F. Camargo Dantas e João Camargo

Respectivamente, CEO e presidente do Conselho da Esfera

Continua na pauta do Congresso Nacional um dos temas mais controversos da agenda econômica. A desoneração na folha de pagamento de empresas de 17 setores, além de mais de 5.000 prefeituras, equivale a uma verdadeira marcha da insensatez. Não se trata de diminuir a importância desses setores. O que precisa ficar claro é que o impacto da medida extravasaria seus objetivos imediatos, representando grave ameaça ao equilíbrio fiscal e ao correto rumo estabelecido pela reforma tributária.

A proposta de desoneração para setores específicos surgiu em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), em um ambiente de retração. O PIB, que no ano anterior crescera pujantes 7,5%, vinha perdendo fôlego, com desaceleração a partir do terceiro trimestre. Nos anos subsequentes, viveríamos um período recessivo. Nesse contexto, faziam sentido medidas anticíclicas temporárias.

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fecha acordo com os ministros da Fazenda e das Relações Institucionais, Fernando Haddad e Alexandre Padilha Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado - Marcos Oliveira/Agência Senado - Marcos Oliveira/Marcos Oliveira/Agência Senado

Não é essa, definitivamente, a situação atual. É verdade que o mercado financeiro tem demonstrado algum nervosismo, sobretudo em relação ao cenário fiscal, mas tal reação não encontra eco no setor produtivo, onde há quase pleno emprego. A taxa de desocupação na casa dos 7% é a menor em dez anos e está em queda. Além disso, o PIB deve crescer 2,3% neste ano, segundo o Banco Central, que antes previa expansão de 1,9%. Neste momento, portanto, a prorrogação de uma medida pensada como anticíclica seria injustificada e extemporânea.

Não podemos esquecer que nenhuma desoneração é gratuita. A redução da contribuição patronal dos setores beneficiados acarreta maior sacrifício aos demais contribuintes. E praticá-la em um contexto de déficit previdenciário da União de R$ 428 bilhões é especialmente grave.

A injustiça fiscal é ainda maior se considerarmos a redução na alíquota calculada sobre o faturamento para as empresas daqueles setores, que pagam menos do que as demais para uma mesma cobertura previdenciária de seus funcionários.

Ademais, seria essencial a avaliação posterior de sua principal meta, a geração ou manutenção de postos de trabalho. Pois bem, segundo o Ipea, os setores beneficiados, de 2012 a 2022, não somente reduziram sua participação na população ocupada (de 20,1% para 18,9%), mas também entre os ocupados com contribuição previdenciária (de 17,9% para 16,2%) e entre empregados com carteira assinada do setor privado (de 22,4% para 19,7%). Mesmo que se alegue que a queda seria ainda maior sem a desoneração, os custos da medida seriam maiores do que os benefícios. Ou seja, por qualquer parâmetro de avaliação, os resultados ficaram aquém do prometido.

Medidas isoladas como a desoneração vão de encontro ao escopo do mais notável avanço que tivemos em nosso processo de modernização estrutural: a reforma tributária. Com muito diálogo, suor e lágrimas, e após anos de luta e abnegação de muitos, conseguiu-se finalmente entregar ao país um conjunto normativo ordenador de nosso ainda caótico sistema tributário.

A batalha vencida —e temos uma guerra pela frente!— foi a de dar unicidade ao sistema, incluindo o tratamento de suas exceções e externalidades. Tirar a desoneração desse contexto representa sabotar a mais exitosa reforma estruturante dos últimos anos.

Caso se decida pela desoneração, seria mais republicano trabalharmos algo como um plano nacional e integrado de incentivos tributários, no qual o Congresso, dentro de sua inalienável competência constitucional e de maneira objetiva, determinasse o teto a ser desembolsado, o impacto no Orçamento e o prazo de validade.

Não existe almoço grátis. Nem desoneração grátis. O país ganharia muito se a questão fosse gerenciada sem colocarmos em risco os recentes avanços estruturais.

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