A luta contra a Covid-19 tem demandado uma compatibilidade entre disposições transitórias e excepcionais e restrição ou limitação dos direitos tomada no contexto da aplicação do estado de emergência.
Não resta dúvida de que as circunstâncias atuais afetam inevitavelmente a saúde e o exercício da liberdade individual, de movimento e residência, de expatriação, de reunião e associação, de livre pensamento e expressão e de iniciativa econômica. Isso coloca em confronto quase todos os valores constitucionais.
A pretexto de proteção à saúde pública e a necessidade de redução da “curva de contágio”, as limitações a direitos fundamentais geram sérias dúvidas constitucionais de molde que uma aplicação agressiva das restrições de liberdades com mecanismos de vigilância ostensivos não pode estar desassociada do estrito universo da proteção à higidez pública como um todo, com distinção e proporcionalidade aos valores.
De tal modo, desmedidas ações, ao largo da realidade social, criam uma situação humanitária calamitosa, desnecessariamente calamitosa. Assim, políticos, jornalistas, ativistas, magistrados devem se acautelar ao usarem o “estado de emergência” com o propósito único de dar ênfase teórica a seus próprios discursos, acabando por desorientar os cidadãos.
Em verdade, despreparam para o real estado de necessidade que exige respostas rápidas, adequadas e coordenadas, com execução de políticas públicas efetivas na direção de todos afetados pela crise, sem exceção!
A situação de emergência, que implica suspensão de garantias jurídico-constitucionais destinadas a tutelar os direitos humanos por excelência, prevista está em momentos de guerra ou turbação político-social, e não pode desproteger a ordem democrática e institucional.
As medidas devem ter o aval do Congresso Nacional, nomeadamente com a decretação dos instrumentos legais necessários porquanto o estado de “guerra” que justifique acentuadas limitações de direitos somente possui validade na proporcionalidade, ponderação e no uso dos poderes necessários para que não se coloque em risco a própria subsistência da sociedade e de seus membros.
O critério geral para avaliar a idoneidade das intervenções institucionais em situações de emergência legitima-se a partir do equilíbrio dos valores fundamentais.
Nenhuma instituição pode se achar no exercício do poder soberano, vendo-se a si mesma acima da Constituição. Somente sendo leal à lei e estando a serviço de seu povo, com o consentimento deste, o exercício coercitivo do Estado justifica-se como ferramenta única de gestão dos direitos políticos, civis e econômicos.
Tal exercício longe está de colocar em risco a democracia e deve estabelecer a confiança da população nesta mediante um equilíbrio jurídico-institucional.
A restrição de direitos e a expansão de deveres encontra seu pressuposto no Estado democrático de Direito e jamais na autocomplacência.
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