O aborto e a proteção do sigilo médico
Profissional tem o dever ético e jurídico de não compartilhar informações
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Está em curso, perante o Supremo Tribunal Federal, a discussão sobre a descriminalização do aborto. Enquanto a definição não chega, os tribunais enfrentam individualmente os casos, sendo uma infeliz constante as acusações baseadas em depoimentos de profissionais de saúde. Pesquisadoras da Universidade Federal do Paraná (UFPR) identificaram que, em 37,2% dos casos analisados, médicos e/ou enfermeiros prestaram depoimento sobre os fatos. O número assusta.
Isso porque, conforme o Superior Tribunal de Justiça reafirmou recentemente, o sigilo profissional é garantia constitucional, estando o profissional de saúde "proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão" (habeas corpus 783.927). Partindo dessa premissa, a corte reconheceu a ilegalidade de ação penal iniciada em decorrência de denúncia médica.
A razão de ser do sigilo médico reside tanto na natureza de confiança da relação médico-paciente como na tutela da intimidade e na proteção contra a autoincriminação da paciente. Além de dever ético, o profissional de saúde tem o dever jurídico de guardar sigilo das informações que recebe em razão de seu ofício.
Assim, o médico/enfermeiro que se deparar com um possível caso de aborto induzido pela gestante ou realizado com sua autorização —independentemente do caráter criminoso da conduta— está ética e legalmente proibido de levar a informação ao conhecimento das autoridades. Apesar da clareza da situação, os casos se repetem. Nosso escritório, por meio do Projeto Alê Szafir —que atende em caráter "pro bono" pessoas em situação de vulnerabilidade—, está defendendo uma jovem acusada de homicídio duplamente qualificado, tentativa de aborto e ocultação de cadáver. A alegação é a de que ela teria aplicado em si medicação para induzir o aborto e embrulhado o feto expelido numa toalha. Diante das complicações enfrentadas pelo procedimento realizado em sua residência, foi levada às pressas ao hospital.
Em vez de encontrar acolhimento, a assistida foi delatada pelo médico plantonista. Pior: foi "jogada aos leões" por aquele que tinha a obrigação legal de ampará-la e de guardar sigilo sobre as informações que recebera. Mesmo com a vida da paciente em risco, o médico, violando seu juramento de Hipócrates e a lei, acionou a Polícia Militar, que a algemou pelas mãos e pelos pés no leito do hospital, interrogou-a e pressionou-a, forçando a confissão do aborto. Em razão dessa delação ilegal, a jovem foi presa em flagrante ainda enquanto internada no hospital e hoje está em vias de enfrentar o Tribunal do Júri.
Permitir o processamento de feitos como esse é, além de aniquilar a proteção do sigilo médico, negar à mulher o próprio direito de atendimento de saúde. Incentiva-se que mulheres, especialmente as mais vulneráveis, sangrem até a morte em suas residências, com medo de serem delatadas por aquele que tinha obrigação legal e ética de acolhê-las. Cabe ao Poder Judiciário dar a devida resposta a esses casos, reconhecendo a imprestabilidade da prova oriunda da quebra do sigilo profissional.
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