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Pierpaolo Cruz Bottini

Algumas reflexões sobre o racismo escolar

Não parece justo que a vítima seja obrigada a conviver com tal lembrança viva

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Pierpaolo Cruz Bottini

Advogado e professor de direito penal da USP

Em sua coluna nesta Folha, Hélio Schwartsman, a quem muito admiro, criticou a ideia de expulsar alunas de um colégio de elite por racismo ("Vontade de punir", 3/5). Argumentou que o cérebro em desenvolvimento dos adolescentes não tem condições plenas de controlar sua impulsividade, e a expulsão seria inadequada, sendo preferível usar o episódio como oportunidade de crescimento. Aproveitou para atacar os progressistas que defenderam a medida pelo humanismo de ocasião.

Como representante de tais progressistas, quero discordar do articulista, que erra na premissa e na conclusão. Comungo de sua perplexidade com a contradição de alguns discursos de esquerda, que defendem leis criminais mais brandas e, ao mesmo tempo, usam e abusam de propostas de aumento de pena quando se trata de ataques a certos grupos ou categorias.

A atriz Samara Felippo durante entrevista ao Fantástico sobre caso de racismo sofrido pela filha em escola
A atriz Samara Felippo durante entrevista ao Fantástico sobre caso de racismo sofrido pela filha em escola - Reprodução

Mas, com todo o respeito, a expulsão não tem relação com direito penal. É medida drástica, mas nem de longe tem o caráter aflitivo da prisão ou da restrição a direitos fundamentais que caracterizam a pena ou as medidas socioeducativas. As alunas não serão privadas de educação, do convívio escolar ou do direito de ir e vir. Apenas deverão exercê-los em outro lugar.

Acreditar que atos de racismo são apenas oportunidades de aprendizado é desconhecer a dor profunda que cada agressão dessa natureza causa na criança. O dano material e as injúrias são só a parte visível de um calvário cotidiano sofrido por esses alunos, composto de agressões expressas e veladas, ameaças, exclusões, apelidos, piadas e ironias que violam profundamente sua dignidade. A agressão deixa de ser uma brincadeira de criança quando se dirige a vulneráveis, pertencentes a grupos que, seja pela cor ou religião, tem um histórico de perseguições.

Caro Hélio, vivemos em um país dito cordial, que esconde o racismo em sorrisos e abraços, mas que o aplica em seleções de emprego, nomeações para tribunais, contratações de serviços. A sensibilidade das crianças negras às expressões usadas no episódio é muito mais profunda do que você e eu podemos imaginar.

Não se trata de demonizar as adolescentes, que estão em processo de formação e terão oportunidade de aprender com o erro e evitar sua repetição. As alunas podem participar de um processo de restauração, expressar suas emoções, compreender o significado de seus atos e até ser desculpadas, mas em escolas distintas. Não parece justo que a vítima seja obrigada a conviver com a lembrança viva de um acontecimento que fez explodir em violência um racismo latente.

Rodas de conversa e a manutenção do convívio escolar repararão apenas a triste paz com a qual nos acostumamos, onde a opressão bem disfarçada é tolerada com resignação. E mesmo quando o esforço de dissimulação cai por terra em manifestações de ódio e violência, as desculpas são aceitas, em prol de uma comunhão pelo aprendizado.

O aperto de mãos e os tapas nas costas podem limpar a superfície aparente, mas não removem a sujeira que grassa pelas frestas de nossa lamentável ordem social.

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