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José Eduardo Faria

Emendas impositivas e distorções federativas

Mandonismo e oligarquias regionais prevalecem sobre os interesses da nação

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José Eduardo Faria

Professor titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da USP e membro do Conselho de Inovação e Pesquisa da FGV

Ao suspender os pagamentos das emendas impositivas aos membros do Congresso Nacional, sob a justificativa de que eles não viriam obedecendo os critérios técnicos previstos pela Constituição, o Supremo Tribunal Federal recolocou na ordem do dia dois problemas interconectados.

O primeiro diz respeito à necessidade de imposição de regras mais efetivas de transparência e de procedimentos de rastreabilidade dos recursos a serem encaminhados pelo Executivo federal aos entes subnacionais, conforme os interesses políticos e eleiçoeiros de deputados e senadores. O segundo problema diz respeito ao risco de que esses recursos sejam pulverizados por meio de emendas não vinculadas a projetos formulados de modo tecnicamente consistente e com base no interesse público.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, em sua cerimônia de posse, atrás do presidente Lula (PT) e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); Dino suspendeu a execução de emendas parlamentares impositivas, e a suspensão foi corroborada de forma unânime por seus pares - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Desmentindo mais uma vez o provérbio de que o Brasil seria o país do futuro, a interconexão desses dois problemas volta a recolocar na ordem do dia, assim, o desafio de que o Brasil até hoje não conseguiu vencer —a formulação de um projeto de nação. Na defesa de seus interesses paroquianos, os parlamentares insistem em afirmar que conhecem as necessidades de seus municípios melhor do que a tecnocracia da União. Por conveniência, porém, esquecem-se de que se a distribuição de quase metade do Orçamento federal for estilhaçada, os diferentes interesses locais e a falta de eficiência na sua aplicação continuarão mantendo as profundas desigualdades regionais, impedindo assim o progresso do país enquanto nação.

Esses parlamentares —que já estariam controlando metade do Orçamento do país, segundo os ministérios da Fazenda e do Planejamento— também afirmam que a transferência de recursos federais para suas bases eleitorais consolida a democracia. Mas a que tipo de democracia eles se referem? Desde que no decorrer do século 20 foi incorporada na ordem constitucional brasileira a premissa de que os estados das regiões mais atrasadas deveriam ter o controle do processo político para evitar o domínio do país pelas regiões mais ricas, o Brasil se destaca por ter um regime federativo eivado de distorções.

Segundo o IBGE, apesar de o Sul e de o Sudeste terem 56,3% da população e 57% do eleitorado, as duas regiões detêm apenas 49,9% dos assentos na Câmara dos Deputados e 26% dos assentos no Senado. Já o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste, que têm 43,7% da população e 42,5% do eleitorado, controlam 50,1% dos assentos na Câmara e 74% dos assentos no Senado. Não é por acaso que as lideranças mais empenhadas em controlar a destinação das emendas impositivas e em acusar o STF de estar invadindo a área de competência do Legislativo venham, justamente, dessas três regiões.

É por causa dessa distorção federativa que, nas votações do Congresso, os interesses do mandonismo local e das oligarquias regionais tendem a prevalecer sobre os interesses maiores da nação. O resultado é a indefinição de responsabilidades, duplicações de esforços, indiferenciação entre interesse privado e interesse público, a ineficiência administrativa e multiplicação de gastos perdulários. Além disso, a conversão de parte significativa da máquina administrativa em feudos controlados por facções políticas interessadas em destinar recursos públicos para suas clientelas, como as lideradas por Lyras, Calheiros, Alcolumbres e Barbalhos da vida, tende a fazer do Executivo federal um Poder com dificuldades para definir objetivos, prioridades e metas de médio e longo prazo.

Nesse cenário de disputa entre o Congresso e o STF no que se refere às regras e procedimentos para as emendas parlamentares, a ameaça dos congressistas de restringir prerrogativas dos ministros da corte e de barrar verbas para o Judiciário dão a medida das dificuldades de governabilidade resultantes das desigualdades na representação política entre os entes subnacionais da Federação.

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