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Filipe Campello

O que querem os bilionários?

No caso de Elon Musk, narcisismo virulento se manifesta às custas das instituições democráticas

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Filipe Campello

Doutor em filosofia (Universidade de Frankfurt), é professor de filosofia da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador do CNPq

Se perguntarmos a alguém como Elon Musk por que ele quer ser bilionário, é improvável que a resposta seja apenas buscar uma vida confortável. Certamente isso poderia ser alcançado com muito menos de US$ 1 bilhão. O desejo de se tornar bilionário vai além da riqueza material, revelando algo sobre nossas paixões e desejos.

Investigar por que bilionários acumulam tanta riqueza pode ser um exercício infrutífero, pois suas motivações nem sempre são claras —nem mesmo para eles. A questão não é apenas por que querem ser bilionários, mas por que decidem atuar no tabuleiro da política global.

Elon Musk, CEO da SpaceX e Tesla e dono do X - David Swanson/Reuters

Embora a interseção entre mercados e política seja esperada, o papel dos bilionários como atores políticos é subestimado. O livro "Billionaires in World Politics", de Peter Hägel, oferece uma análise inovadora sobre o tema. Com base em autores como Margaret Archer e William Sewell, a obra mostra que, embora compartilhemos padrões culturais, a capacidade de modificar essas estruturas varia conforme as condições materiais. É o caso dos bilionários, cuja capacidade de agir e reagir ao ambiente é certamente distinta de pessoas comuns, permitindo que eles dobrem, alterem ou definam as regras do jogo.

Hägel destaca três principais motivações dos bilionários: riqueza, segurança e estima. Esta última, o desejo de ser reconhecido, revela o poder do bilionário de dobrar regras em nome de segurança e riqueza. Exemplos incluem sua disposição para enfrentar desafios políticos, como o combate às mudanças climáticas.

A ascensão do capitalismo sempre teve uma tensão entre interesses privados e solidariedade social. A transformação das paixões foi usada para legitimar a busca por interesses próprios, mas também abriu espaço para o progresso social. Como Albert Hirschman argumenta em "As Paixões e os Interesses", a ascensão do capitalismo moderno não foi impulsionada apenas por interesses racionais, mas por aquilo que ele chama de "paixões equivalentes contrárias".

O caso de Elon Musk é emblemático, já que suas paixões não se limitam à obtenção de riqueza, mas por um narcisismo virulento que se manifesta às custas das instituições democráticas. Isso se opõe ao verdadeiro sentido da política e explica por que alguns bilionários não hesitam em apoiar regimes autoritários, desde que isso atenda aos seus interesses.

O discurso sobre liberdade torna-se vazio quando o que está em jogo é a resistência a limites institucionais que configuram o próprio arranjo democrático. Musk mina os limites entre as esferas pública e privada, canalizando suas energias —ou paixões— para enfraquecer a democracia, que estabelece que não é o ego de um indivíduo que define a régua moral da sociedade.

Certamente o interesse dos bilionários na política global varia se estão promovendo a saúde mundial ou se opondo ao combate às mudanças climáticas. Mas é difícil saber se suas ações são motivadas por solidariedade ou interesses privados. Se as motivações dos bilionários são egoístas ou altruístas (quando orientadas por algum princípio moral genuíno), parece-me menos relevante do que as consequências de suas ações para tornar o mundo um lugar melhor.

Mais importante é como lidamos com uma dinâmica que permite que, durante a pandemia, a fortuna de um bilionário aumentasse 60%, enquanto a renda de 99% da população mundial diminuísse (Oxfam, 2022).

Para entender melhor essa relação entre bilionários e política, precisamos de uma genealogia das condições que moldaram suas paixões. Isso iluminaria não apenas sua influência política, mas também o que tornou possível o desejo de ser bilionário.

A questão é: podemos imaginar alternativas onde 10 indivíduos não possuam a mesma riqueza que 3,1 bilhões de pessoas (Oxfam, 2022)?

Se as paixões dos bilionários não podem ser moldadas de forma mais solidária, talvez devêssemos discutir como eles poderiam ser mais bem taxados. Muitos deles declaram que é exatamente isso o que querem.

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