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Descrição de chapéu Eleições 2018

Negação da política organizada gestada em 2013 ajudou a produzir Bolsonaro

Em um país de conservadorismo social pouco dado à ruptura, causa surpresa a muitos a ascensão do candidato

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São Paulo

A campanha eleitoral de 2018 deixou atônitos atores tradicionais da política brasileira. Neste momento, há um denominador, exceto que haja a introdução de um “deus ex machina”, a intervenção exógena de última hora: o fim do protagonismo do PSDB nas franjas centristas e direitistas do eleitorado.

Em um país de larga tradição de conservadorismo social pouco dado à ruptura, presente desde a redemocratização de 1985 tanto nos governos tucanos quanto nos do PT, causa surpresa a muitos a ascensão de Jair Bolsonaro.

Talvez não devesse. O candidato do PSL é o fruto de uma sucessão de fatores concorrentes, cuja origem comum é a falência do sistema político fundado no regime da Constituição de 1988 —o presidencialismo de coalizão a sustentar um federalismo fracassado, eivado por maus serviços públicos e corrupção.

2013 - A origem

Bolsonaro é herdeiro dos protestos de 2013, embora não tenha filiação com a ideologia predominante à época, esquerdista com uma infiltração anarquista.

Naquele momento, o gatilho era a cobrança por serviços públicos decentes tanto pela classe média quanto pelos mais pobres remediados, irritados pela malversação que viria provar-se real com as obras da Copa do Mundo.

Havia um substrato maior: a negação da política organizada, visível na queda uniforme de avaliação de todos os governantes, a presidente Dilma Rousseff (PT) à frente.

Com respostas convencionais, a política teve de contar com a radicalização “black bloc” e a desorganização das ruas para escapar. Mas a semente estava plantada.

2014 - O contexto

A campanha eleitoral de 2014 registrou a maior união das forças do chamado campo azul desde que Fernando Henrique Cardoso foi reeleito em 1998. O PSDB, na figura mais jovial de Aécio Neves, quase chegou lá do jeito conhecido: aos trancos e barrancos, contando com a destruição de Marina Silva (então no PSB) pelas mãos dos marqueteiros do PT —depois atingidos e presos pela Lava Jato.

Com o país dividido, o senador tucano insistiu em questionar a legitimidade do pleito.

Reeleita, Dilma começou a colher os desastres de sua política econômica e viu formar-se uma oposição congressual com força poucas vezes antes vista, encarnada pelo então presidente da Câmara, hoje presidiário, Eduardo Cunha.

2014 - Lava Jato

Ao mesmo tempo, a eclosão da Operação Lava Jato, em 17 de março de 2014, iniciou um processo de erosão das estruturas políticas conhecidas. A ação gerou a maior descoberta de esquemas de corrupção da história e forjou a imagem de juízes, procuradores e policiais como faróis de moralidade.

O aparato investigativo também cometeu excessos e erros, mas é inegável a criação do selo Lava Jato de probidade: uma vez carimbado de forma convincente, o político se tornaria um ativo tóxico. O PSDB, então marginalmente atingido, buscou associar-se ao discurso moralizante prevalente para manter seu enorme eleitorado de 2014.

2015 - A debacle do PT

Sob o fogo cerrado da Lava Jato e tragada por uma crise econômica crescente, que lentamente chegou ao mercado de trabalho, a gestão do PT viveu seu pior momento. Alquebrado, o partido viu líder após líder ser envolvido em denúncias de corrupção, e Dilma foi obrigada a adotar um ideário liberal contrário à suas promessas e crenças.

No Congresso, o impeachment foi questão de tempo. Em outubro daquele ano, Bolsonaro já decidia que iria tentar a sorte com uma campanha baseada em redes sociais.

 

2016 - A nova rua

Ao mesmo tempo, uma nova rua emergiu, herdeira daquela de 2013 na sua frequência indignada —no caso, contra o PT. As manifestações que começaram em 2015 pelo impeachment de Dilma ganharam corpo, e com elas uma nova franja radicalizada deu as caras e ganhou peso.

A cobrança ética advinda da Lava Jato uniu-se a valores conservadores, que iam desde as mais comuns defesas tradicionais da família aos famigerados pedidos por intervenção militar. Tudo isso num ambiente de imediatismo de disseminação favorecido pelos aplicativos de mensagens instantâneas.

O impedimento da presidente deu fôlego inicial ao governo Temer, abraçado por um PSDB ainda liderado por Aécio. Eleitoralmente, ainda deu certo: o partido saiu vitorioso no pleito municipal, enquanto o PT respirava por aparelhos e a amálgama MDB-centrão seguia tocando a vida.

Enquanto isso, Bolsonaro usava sua cota de viagens como parlamentar para visitar vários cantos do país e eventos de entidades de classe, como feiras agrícolas. O ideário do qual ele se dizia esteio encontrava eco na nova rua por meio de mensagens no celular, em especial na questão do combate à corrupção e à insegurança, mas não só.

2017 - O mal-estar emerge

O governo Temer promoveu em um ano um conjunto notável, pelo escopo, de reformas. Isso ajudou a reagrupar a esquerda em torno de bandeira de perda de direitos, mas foi a ruína ética do governo que o fez perder a nova rua à direita.

A esta altura, Bolsonaro já vinha cristalizando um eleitorado ainda pequeno. As polêmicas de seu currículo ou eram minimizadas ou normalizadas. Ser réu por incitação ao crime ou defender torturadores virou uma categoria de “fake news” para esse público.

A guilhotina caiu sobre a cabeça de Temer e de Aécio no mesmo episódio: as gravações do empresário Joesley Batista. Mesmo com erros grosseiros da Procuradoria-Geral da República nas apurações, o estrago estava feito. Temer teve de usar todo seu capital político para sobreviver a duas votações fatais sobre seu futuro.

A partir daí, seu governo acabou, acentuando o mal-estar com “tudo o que está aí”.

Aécio manobrou durante todo o ano entre Supremo e Senado para manter-se no cargo. Sua imagem soçobrou, levando junto a do PSDB, que foi assumido por um recalcitrante Geraldo Alckmin. Os tucanos também eram “iguais aos outros”, a começar pelo PT.

O campo azul passou o ano debatendo se o melhor candidato não seria uma novidade, como o então prefeito paulistano João Doria (PSDB) ou o apresentador Luciano Huck. Percebeu a insatisfação, mas não soube como lidar com ela.

2018 - O fim do ciclo

O ressurgimento do PT na esteira da crise do governo Temer, quando a narrativa de que foi vítima de um golpe foi amplificada pela condenação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, paralisou a centro-direita. Uma coisa seria a eleição com Lula; outra, sem o petista.

Bolsonaro favoreceu-se disso. A presença de Lula no páreo, ainda que só teórica, manteve fidelizada uma base mais à direita para quem o antipetismo era a força central. Aos poucos, setores como o agronegócio e regiões do país (Sudeste, Sul e Centro-Oeste) foram aderindo ao capitão na esteira do alargamento do rio anti-PT, engrossado pelas águas antiestablishment.

Erros de avaliação e problemas abundaram no tucanato, herdeiro histórico do centro: houve pulverização entre atores deste campo até o último momento. Bolsonaro foi subestimado e a fé nos mecanismos tradicionais (tempo de TV, alianças), superestimada.

A ausência de um discurso que recuperasse o eleitor indignado, por falta de credibilidade, a um partido associado a “tudo o que está aí” enfraqueceu Alckmin.

Por fim, o imponderável da campanha, quando a facada contra Bolsonaro acabou desarranjando táticas de desconstrução e dando ao capitão uma exposição de mídia enorme e blindada.

A previsível saída de Lula e a indicação de Haddad como seu preposto levaram o petista ao crescimento, mas junto com ele veio a rejeição —jogando lenha na fogueira do antipetismo que já estava identificado com Bolsonaro.

Posfácio

Salvo um milagre político para o PSDB, a eleição ou acaba neste domingo ou leva Bolsonaro contra Haddad para o segundo turno. Já nesta última semana, fatias importantes do campo azul se posicionavam majoritariamente a favor do deputado do PSL.

Certa mesmo, só a perda de domínio do tucanato na centro-direita. Como a história do PT demonstra, isso não é necessariamente um epitáfio, mas sim a fotografia: o dono desta bola hoje é Bolsonaro.

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