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Emenda de ministro de Lula vira obra que empurra água da chuva para dentro de casas

OUTRO LADO: Juscelino Filho nega responsabilidade ao direcionar verba para projetos de baixa qualidade e superfaturados no MA

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Brasília e São Paulo

"A fiscalização testemunhou vários relatos de que as águas da chuva se direcionavam para as residências da comunidade local, afetando a segurança e a qualidade de vida das pessoas que ali habitam."

Foi assim que um fiscal da estatal federal Codevasf descreveu o estado da drenagem de uma das obras de pavimentação bancadas por recursos destinados pelo atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), quando ele exercia o cargo de deputado federal.

Com base nessa fiscalização, a companhia considerou que a obra estava com 0% de execução e puniu a responsável pelo serviço, a empreiteira Construservice, que é investigada pela Polícia Federal sob a suspeita de corrupção em contratos da estatal.

Até se chegar à indicação de que foram gastos tempo e dinheiro público para um resultado zero, foi percorrida uma trilha que inclui direcionamento político, desvios e suspeita de corrupção.

O presidente Lula ao lado do ministro das Comunicações, Juscelino Filho - Ricardo Stuckert/Divulgação

O ponto de partida desse roteiro foi um ofício de 13 de dezembro de 2019.

Nele, sem dar nenhuma justificativa técnica, o então deputado Juscelino indicava à Codevasf como R$ 10 milhões deveriam ser distribuídos para obras de pavimentação em seu reduto eleitoral, a cidade de Vitorino Freire, e nos municípios de Lago da Pedra e Brejo —todos no Maranhão.

Essa verba era parte do orçamento do governo federal para investimentos e foi liberada a Juscelino durante negociações para ampliar o apoio do Congresso Nacional ao Palácio do Planalto, no governo de Jair Bolsonaro (PL).

"Eu soube que muita gente divulgou essa informação na cidade, fazendo barulho, mas omitindo um ponto muito importante, os recursos para essas pavimentações são frutos de emendas parlamentares de nossa autoria", disse Juscelino, em 2020, em vídeo gravado para a população de Lago da Pedra.

Registros em notas de empenho do governo federal, além de documentos do Ministério do Desenvolvimento Regional, mostram que ele direcionou pelo menos R$ 77 milhões de 2019 a 2021 em emendas e outras verbas federais.

A Codevasf usou a verba para fechar contratos com empresas que haviam sido selecionadas por uma modalidade afrouxada de licitação que passou a ser adotada pela estatal.

Além das irregularidades nessa obra feita pela Construservice, órgãos de controle encontraram superfaturamento de R$ 3,3 milhões em serviços de outros três contratos da Codevasf que usaram verba indicada por Juscelino.

Fiscalização da Codevasf encontrou drenagem precária que empurra água para casas em Lago da Pedra (MA), em obra indicada pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho - Reprodução/Codevasf

No caso da obra em Lago da Pedra, orçada em R$ 1,3 milhão, o prazo inicial de entrega da pavimentação em bloco intertravado de concreto se encerrava em outubro de 2021.

A Codevasf aceitou três pedidos da construtora para ampliar o prazo. Mesmo com o atraso, a parte da obra apresentada foi considerada precária pela estatal, com drenagem mal executada que empurra as águas da chuva na direção das casas.

Documentos obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação mostram que a Codevasf só passou a verificar a qualidade do serviço no fim de 2022, quando foi alterado o fiscal do contrato.

Essa troca ocorreu justamente por suspeitas de corrupção ligadas à Construservice. Isso porque os agentes da Polícia Federal descobriram que a empreiteira pagou R$ 250 mil a Julimar Alves da Silva Filho, gerente da Codevasf que fiscalizava o serviço em Lago da Pedra, entre outras obras.

A investigação suspeita que o pagamento era de propina. A estatal, então, decidiu refazer os pareceres dos contratos que eram vistoriados por Julimar.

O novo fiscal relata, nos documentos entregues à reportagem, que nem sequer encontrou o projeto básico do serviço dentro da papelada do contrato. Havia apenas indicações genéricas sobre quais ruas deveriam ser pavimentadas.

As fotografias da obra anexadas ao relatório da vistoria mostram blocos de concreto quebrados e sarjetas inacabadas sobre ruas de terra em Lago da Pedra. Procurada, a Construservice não quis se manifestar.

A empresa tentava receber o pagamento de R$ 244 mil por cerca de 20% do serviço, o que foi negado pela Codevasf.

A CGU (Controladoria-Geral de União) ainda diz que encontrou irregularidades em outros três contratos, de cerca de R$ 10 milhões, para obras da Codevasf com verba de emenda de Juscelino. O órgão recomenda a devolução de R$ 3,3 milhões por superfaturamento em serviços em Lago da Pedra e Vitorino Freire.

Nesses casos, a controladoria visitou as cidades dois anos após a conclusão dos serviços. Os funcionários do órgão de controle afirmam que se depararam com asfalto de baixa qualidade.

Imagens da obra anexadas ao relatório da CGU mostram que o piso se desfaz como uma "farofa". A drenagem também é precária nas vias pavimentadas.

Esses três contratos foram executados pela Engefort, empresa apontada pela área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) como líder de um cartel de empresas que disputam obras da Codevasf.

O fiscal dessas obras também foi o gerente afastado da Codevasf sob suspeita de corrupção.

Ministro diz não ter responsabilidade sobre as obras

Em nota, a assessoria do ministro Juscelino Filho disse que a responsabilidade sobre os projetos é do contratante e da contratada, não do autor da emenda.

"Atribuir é insistir em colocá-lo em um papel que não cabe a qualquer deputado, revelando que esse tipo de ilação não passa de uma perseguição vazia, baseada em distorções e inverdades."

Procurada pela Folha para se manifestar sobre as irregularidades apontadas pelas fiscalizações, a Codevasf afirmou que emitiu notificação à Engefort para "imediata apresentação de defesa prévia, bem como para regularização de inconformidades relacionadas à qualidade dos serviços, para proceder ao ressarcimento".

"Após o fim do prazo de defesa prévia, a Codevasf examinará as justificativas apresentadas pela contratada e definirá as medidas cabíveis e as eventuais sanções", relatou.

A estatal informou que iniciou procedimentos para reanálise dos contratos fiscalizados pelo servidor afastado Julimar Alves.

Por meio de nota, a Engefort negou que haja "qualquer tipo de favorecimento nos pregões, bem como, irregularidades em suas obras" e que tenha relações com o ministro Juscelino Filho.

A empreiteira afirmou que o relatório de fiscalização da CGU é um documento preliminar e por isso não iria se manifestar. "A Engefort Construtora é comprometida com o cumprimento de todas as leis aplicáveis e não compactua com quaisquer ilicitudes", completa.

Em manifestação enviada à Folha após a publicação da reportagem, o engenheiro Julimar Alves negou ter recebido suborno da empreiteira Construservice.

"Afirmo veemente que esses valores não são referentes a propina, isso ficará comprovado nos autos do processo da investigação ainda em andamento", escreveu o engenheiro.

Em relação às fiscalizações feitas antes de seu afastamento da estatal, Alves afirmou que "tanto o projeto básico como o projeto executivo seguiram a linha de execução prevista nas atas de registro de preço de onde derivaram as obras".

"Entendo que os problemas identificados devem ser notificados à empresa responsável pela execução para recuperação das vias dentro dos prazos de garantia das obras estabelecido em contrato", completou.

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