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PF vê fraude em cartão de vacinação de Bolsonaro, faz buscas na casa dele e prende ex-assessores

Investigação mira inserção de dados falsos sobre vacinação de Covid no sistema do Ministério da Saúde

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Brasília

A Polícia Federal cumpriu nesta quarta-feira (3) mandado de busca e apreensão em endereço do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de prisão contra alguns de seus mais próximos ex-assessores.

De acordo com a PF, os suspeitos teriam realizado tentativas de inserção de dados falsos sobre vacinação da Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde entre novembro de 2021 e dezembro de 2022.

Em representação ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, a PF aponta Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, como principal articulador do esquema.

Segundo a PF, Bolsonaro tinha ciência da inserção fraudulenta dos dados no sistema. "Jair Bolsonaro, Mauro Cid e, possivelmente, Marcelo Câmara tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento", diz a PF.

O ex-presidente Jair Bolsonaro e seu chefe da ajudância de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid - Adriano Machado/Reuters

O ex-presidente negou e disse que a ação da PF em sua casa foi uma "operação para esculachar".

Foram alvo de mandado de prisão Mauro Cid e Luis Marcos dos Reis, ex-ajudantes de ordens, Max Guilherme de Moura e Sergio Cordeiro, seguranças de Bolsonaro, Ailton Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL-RJ em 2022, e João Carlos de Sousa Brecha, secretário da Prefeitura de Duque de Caxias (RJ), reduto bolsonarista na Baixada Fluminense de onde teria sido operada a fraude.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também é alvo de apuração, mas Moraes negou pedido de busca e apreensão contra ela.

Bolsonaro foi intimado pela PF a prestar depoimento ainda nesta quarta sobre o caso, mas informou que não compareceria à oitiva. O ex-presidente permaneceu na sede do PL em Brasília em reuniões com aliados.

Os investigadores mapearam duas tentativas de fraude. Em 2021, a ação teria sido para beneficiar parentes de Cid. Em 2022, os dados teriam sido inseridos para constar que o então presidente e os demais beneficiários teriam sido imunizados e assim pudessem emitir certificado de vacinação para viajar aos Estados Unidos.

A inserção dos dados ocorreu em 21 de dezembro, antes da viagem de Bolsonaro aos EUA, indicando como se Bolsonaro tivesse recebido duas doses da vacina Pfizer. Menos de uma semana depois, porém, as informações foram excluídas do sistema. O presidente negou fraude e disse que nunca se vacinou.

"A apuração indica que o objetivo do grupo seria manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19", afirma a PF.

A polícia cita como indícios do conhecimento de Bolsonaro o fato de o certificado de vacinação do ex-presidente ter sido emitido nos dias 22 e 27 de dezembro do Palácio do Planalto.

Os Estados Unidos exigem a apresentação de comprovante de vacina contra a Covid-19 para viajantes —uma obrigatoriedade que será encerrada no próximo dia 11.

Segundo o governo americano, há exceções, como pessoas em viagens diplomáticas ou oficiais de governos estrangeiros. Conforme a Embaixada dos EUA, fraudar documentos para tentar entrar no país é crime que pode ser punido com multa ou prisão.

A investigação da PF aponta que a chefe da central de vacinação de Duque de Caxias (RJ), Cláudia Helena Acosta Rodrigues, foi quem retirou do sistema do Ministério da Saúde informações que haviam sido adicionadas do ex-presidente, de sua filha Laura, do tenente-coronel Mauro Cid e de dois familiares do ex-ajudante de ordens da Presidência.

Cláudia Helena teria excluído as informações do sistema no dia 27 de dezembro. Segundo informações da PF, os dados foram inseridos para que fossem validados e pudessem ser usados para viagens ao exterior. No entanto, foram excluídos em seguida para que o registro não ficasse visível no sistema.

Procurada, a defesa de Cláudia Helena disse que não vai se manifestar sobre o caso.

As diligências desta quarta foram cumpridas dentro do inquérito das milícias digitais, que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) e tem como relator o ministro Alexandre de Moraes.

"Os fatos investigados configuram em tese os crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores", afirma.

No total, foram 16 mandados de busca e seis de prisão preventiva em Brasília e no Rio de Janeiro.

Na casa de Mauro Cid, foi apreendido dinheiro em espécie: US$ 35 mil (cerca de R$ 175 mil) e R$ 16 mil. Ele foi ouvido pela polícia, mas preferiu ficar em silêncio.

Por ser militar, o tenente-coronel ficará preso no batalhão do Exército em Brasília. O batalhão fica a cerca de 7 km da Esplanada dos Ministérios e sob a tutela do Comando Militar do Planalto.

Moraes também determinou a apreensão dos passaportes dos envolvidos, inclusive o de Bolsonaro. Mais tarde, no entanto, seu gabinete afirmou que o documento de viagem do ex-presidente não seria apreendido, porque a PF não considerou conveniente para a investigação.

Os investigadores já começaram a analisar o material reunido durante as buscas e a tomar depoimento de suspeitos de terem informações sobre a suposta fraude.

Logo após o início da operação, aliados de Bolsonaro se disseram surpresos e perplexos e afirmaram haver caráter político na atuação do STF. Ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, por exemplo, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) afirmou à Folha que aliados do ex-presidente estão "assustados" e "muito surpresos".

Desde o início de 2020, quando o coronavírus começou a se espalhar pelo mundo, Bolsonaro sempre minimizou os impactos da pandemia. Como presidente, propagou discurso negacionista e usou palavras histeria e fantasia para classificar a reação da população e da imprensa ao vírus.

Bolsonaro também distribuiu remédios ineficazes contra a doença, incentivou aglomerações, atuou contra a compra de vacinas, espalhou informações falsas sobre a Covid-19 e fez campanhas de desobediência a medidas de proteção, como o uso de máscaras.

Bolsonaro sempre disse não ter se vacinado e manteve o tom nesta quarta-feira.

"Não tomei a vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso. Havia gente que me pressionava para tomar, natural. Mas não tomava, porque li a bula da Pfizer", disse o ex-chefe do Executivo.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) opinou contra a realização de busca e apreensão na casa de Bolsonaro e Michelle.

"Os elementos de informação incorporados aos autos não servem como indícios minimamente consistentes para vincular o ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro e a sua esposa, Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro, aos supostos fatos ilícitos descritos na representação da Polícia Federal, quer como coautores quer como partícipes", disse a PGR.

O entendimento da Procuradora foi rebatido pelo ministro, para quem tal posicionamento não se "demonstra crível" no atual estágio da investigação criminal e citando a hipótese de no mínimo, ter havido "conhecimento e aquiescência" de Bolsonaro.

De acordo com a decisão de Moraes, a Procuradoria afirmou que Cid "teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência" do ex-presidente.

Depois, em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro afirmou que a ação da PF em sua casa foi uma "operação para esculachar".

"Eu chamo de operação para te esculachar. Podiam perguntar sobre vacina pra mim, cartão, eu responderia sem problema nenhum. Agora existe uma pressão enorme, 24 horas por dia, o dia todo, desde antes eu assumir a Presidência, até agora. Não sei quando isso vai acabar", disse.

Ele chegou a chorar durante a entrevista, ao comentar que os agentes federais fotografaram o cartão de vacina de Michelle. Bolsonaro disse que uma pistola sua foi apreendida durante a operação.

Preso foi braço direito de Bolsonaro no Planalto

Preso nesta quarta-feira, o tenente-coronel Mauro Cid era uma espécie de braço direito de Bolsonaro, relação que o levou a entrar na mira da PF.

Ele foi um dos indiciados pelo vazamento da apuração utilizada por Bolsonaro em uma transmissão de 4 de agosto de 2021, em que contestou a segurança do sistema eleitoral e levantou suspeita de fraude nas eleições de 2018.

Informações obtidas a partir da quebra de sigilo telemático de Cid também indicaram a participação na live de 21 de outubro de 2021 em que Bolsonaro fez uma falsa associação entre a vacinação contra a Covid e o desenvolvimento da Aids.

Cid também é investigado no inquérito das milícias digitais por transações suspeitas em favor de Bolsonaro, também descobertas pela PF a partir da quebra dos sigilos telemático e bancário.

Também alvo da PF, o secretário de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha, foi preso na manhã desta quarta. A chefe da central de vacina da cidade da Baixada Fluminense, Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, foi conduzida para prestar depoimento na sede da PF, no Rio.

Ambos fazem parte do grupo político do ex-prefeito da cidade, Washington Reis, aliado de Bolsonaro.

Caxias foi uma das cidades no estado que mais acelerou as primeiras fases da vacinação contra a Covid, em 2021, sem seguir a ordem de prioridades sugerida pelo Ministério da Saúde.

O irmão do ex-prefeito, o deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), também foi alvo na operação. Contra ele, a PF cumpriu um mandado de busca e operação em um endereço do congressista no Rio. Reis, porém, estava em Brasília.

O segundo preso no Rio foi o militar Ailton Gonçalves Moraes Barros, eleito suplente para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Ele concorreu pelo PL e se autointitulava o "01 do Bolsonaro" no estado.

A PF também afirmou ter indícios de que o ex-vereador Marcello Siciliano, citado nas investigações do assassinato de Marielle Franco (PSOL), foi o responsável por concretizar o pedido de Mauro Cid de inserir dados fraudulentos no cartão de vacinação de sua mulher.

A suspeita parte de diálogos entre o ex-ajudante de ordens com o advogado e ex-militar Ailton Barros, apontado como o responsável por intermediar o contato com Siciliano, candidato a deputado estadual pelo PL-RJ em 2022 e que se apresentava como "01 de Bolsonaro".

Em uma das conversas, Barros afirma saber quem mandou matar Marielle. "Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? [Siciliano] Está de bucha nessa parada aí."

Na tribuna do Senado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) questionou se a intenção da operação da PF era "tentar mais uma vez vincular Bolsonaro ao assassinato da Marielle". "Essa narrativa criminosa de mais uma vez tentar envolver Bolsonaro nesse assunto, desculpa a palavra, escrota. Isso é muito escroto. Até onde vai o nível de perseguição de algumas pessoas ao presidente Bolsonaro?"

Gutemberg Reis disse, em nota, que colaborou com a PF e que está tomando conhecimento dos detalhes da investigação. O deputado completa que "recebeu todas as doses da vacina, incentivou, por meio das redes sociais, a imunização da população e colocou sua carteira de vacinação à disposição".

Procurada, a defesa de Cláudia Helena disse que não vai se manifestar sobre o caso.

A Folha tenta contato com a defesa dos outros envolvidos, mas ainda não teve retorno.

Colaborou Marianna Holanda, de Brasília, e Camila Zarur, do Rio de Janeiro

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