Empresa antirracista é um paradoxo, diz representante do governo
Para coordenador do Ministério dos Direitos Humanos, é preciso repensar critérios que constituem modelo trabalhista para promover justiça racial
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A existência de uma empresa antirracista é um paradoxo, de acordo com Luiz Gustavo Lo-Buono, coordenador-geral de direitos humanos e empresas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Para ele, a compreensão de como o racismo opera expõe a limitação das ações de inclusão e equidade racial promovidas por grandes corporações.
"A gente vive num dos países mais desiguais do planeta. Sabemos disso, não é um fenômeno que está no ar, etéreo. Somos parte dessa construção de desigualdades, que é perpetuada por um sistema econômico específico, baseado na exploração de determinados grupos sobre outros."
As declarações foram dadas nesta terça-feira (7), durante o seminário Inclusão e Equidade Racial nas Empresas, realizado pela Folha com patrocínio da Vale.
Mediada por Flavia Lima, secretária-assistente de Redação e editora de Diversidade do jornal, a mesa debateu o que as empresas devem fazer antes, durante e depois da contratação de pessoas pretas e pardas para criar um ambiente verdadeiramente inclusivo.
As companhias precisam repensar critérios que constituem projeções sobre lucros e perdas, modelos trabalhistas, cadeia de valor, sistema de cargos e salários, de acordo com Lo-Buono.
"Não estamos falando apenas de contratar uma diretora preta para atestar o caráter de antirracismo dessa empresa, mas repensar o modelo socioeconômico de exploração e inequidade baseado em raça."
Nesse sentido, é papel do Estado atuar na construção de leis, diretrizes e políticas públicas. Exemplo é o Estatuto da Igualdade Racial, de 2010, que tem caráter de lei e prevê a criação de ações afirmativas pelo Governo, além de estimular a iniciativa privada.
O coordenador-geral citou também projeto de lei que tramita com apoio da pasta sobre os deveres das corporações frente aos direitos humanos. O texto prevê que as empresas economicamente ativas em território brasileiro serão responsáveis pelas violações causadas direta ou indiretamente por suas atividades e sua cadeia de produção.
Os demais debatedores concordaram que não basta colocar uma pessoa negra em cargo de chefia, é preciso diversificar as lideranças em todos os níveis hierárquicos e agir estruturalmente na empresa.
Gerente de Comunicação da Vale, Luciene Cristina disse que a diversidade e a inclusão de grupos minorizados são pilares da mineradora, que assumiu em 2019 o compromisso de dobrar a representatividade de mulheres em sua força de trabalho e na liderança até 2026.
Em 2021 a Vale se posicionou como antirracista, adotando três pilares: aumentar o número de funcionários negros na liderança média e sênior da empresa (coordenadores, gerentes e diretores), promover ações afirmativas para potencializar habilidades e competências e ampliar a conscientização do que é antirracismo —com treinamentos e promoção de um ambiente de respeito e acolhimento.
No mesmo ano, a empresa estabeleceu a meta de ter 40% de seus cargos de liderança sênior ocupados por pessoas negras até 2025. Na época, 29% dessas posições eram ocupadas por pessoas que se declaram pretas e pardas. Segundo a empresa, que tem cerca de 60 mil funcionários próprios, hoje, o índice é de 35%.
"A intenção é que daqui alguns anos a gente não tenha mais que discutir inclusão e equidade nas empresas, que essa já seja uma pauta vencida e que essa seja a história que já está escrita", afirmou.
A implementação de ações para o combate ao racismo faz parte da responsabilidade ética e moral das corporações, afirmou José Eduardo Santos, sócio da consultoria KPMG. Para ele, empresas com pluralidade entre os funcionários desfrutam de uma vantagem competitiva.
"Num mundo complexo como o de hoje, em que os assuntos são cada vez mais difíceis e exigem inovação e ideias diferentes, a inclusão e a diversidade fazem todo sentido."
Santos acrescentou que, para promover ações de diversidade, a empresa tem que se comprometer a ponto de ter um planejamento vinculado à sua estratégia e aos seus valores, para que sua cultura organizacional, muitas vezes construída com base na discriminação racial, seja mudada.
"Você precisa tornar o ambiente não só acolhedor, mas seguro para as pessoas", disse. "Aí vem o papel da liderança, de dar todo o apoio necessário para que a inclusão aconteça." De acordo com ele, o comitê de diversidade da KPMG tem participação de todos os sócios da empresa, para que esse compromisso venha também de cima.
Para Natalia Paiva, diretora-executiva do Mover (Movimento Pela Equidade Racial), o compromisso da altíssima liderança é ponto central para a transformação. As 49 empresas associadas à iniciativa têm o compromisso assinado pelo CEO, nível mais alto de governança.
Fundado em junho de 2021, o Mover tem a meta de alcançar 10 mil novas posições de liderança para pessoas negras até 2030 e gerar 3 milhões de oportunidades por meio de cursos, capacitações e conexões com empreendedores. Segundo a organização, mais de 50 mil ações de capacitação já foram oferecidas.
Entre as companhias signatárias estão Coca-Cola Brasil, Colgate-Palmolive, CSN, Danone, Descomplica, Vale e as consultoria McKinsey & Company e PwC Brasil.
Paiva contou que os pilares do Mover são empregabilidade e capacitação; desenvolvimento e aceleração de carreiras; letramento racial e conscientização. "Quando há mais lideranças negras ocupando esses espaços, a gente consegue destravar muito mais facilmente empecilhos para que a mudança ocorra."
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