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'Rei do polvo' comanda três restaurantes dedicados ao molusco em Floripa

Bicho maleável, solitário e noturno salvou da falência o chef Alysson Müller

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Florianópolis

​O polvo, esse animal maleável, solitário e de hábitos noturnos, mudou a vida de Alysson Müller. Prestes a falir o Rosso, seu primeiro restaurante em Florianópolis, o chef aproveitou uma época de baixa de preço do molusco para elaborar uma receita que fez sua fama, rendeu-lhe a alcunha de “rei do polvo” e o tirou da berlinda.

O polvo à Rosso, cozido e depois grelhado, é acomodado num sedoso purê de mandioquinha e pincelado com um molho tarê agridoce, que recebe partes iguais de shoyu, saquê, açúcar mascavo, caldo de peixe e gengibre, com consistência de melaço.

Servido ainda hoje na casa, que ocupa um ponto privilegiado do bairro histórico de Santo Antônio Lisboa, divide a atenção com outras seis receitas protagonizadas pelo molusco, que chega em quantidade impactante na cozinha.

Toda semana, o restaurante recebe uma tonelada de polvo fresco, pescado no pote, método mais ecológico que o arrasto, que passa uma rede no fundo do mar. As armadilhas são distribuídas ao longo da costa e presas por um fio. Mostram-se atraentes a esses animais, que têm o costume de se esconder em rochas depois de se alimentar. Passados alguns dias, os recipientes são içados, e os animais, retidos.

Cada quilo do bicho fresco converte-se em 300 gramas apropriadas para serem servidas. Quando recebido, diz Müller, o polvo é congelado imediatamente, para quebrar suas fibras e ficar mais macio.

Antes do cozimento, são lavados cuidadosamente —há um funcionário dedicado apenas a essa missão.

Ao imergi-los na água, com cebola e louro, a fervura é interrompida, baixa-se o fogo e monitora-se a temperatura. “Se ferve, o polvo se debate e, com o toque, perde a pele, que é a parte mais nobre, que dá sabor e tem aquela gelatina, que vira crosta.”

Os tentáculos são, em seguida, separados, embalados a vácuo e resfriados —passam por nova cocção somente antes de ir à mesa. 

Quando se trata do preparo desse molusco, sem articulações, sem conchas, com vastas possibilidades de movimento e neurônios espalhados pelo corpo todo, chefs, por mais técnicos que sejam, valem-se das superstições. Submetê-lo a choque térmico, batê-lo no tanque, cozinhá-lo com uma rolha na panela ou, ainda, com um palitinho espetado em um de seus tentáculos.

O próprio Müller, que ficou conhecido no Brasil pela habilidade em lidar com polvo, fez o primeiro preparo quando era estagiário do extinto Bistrô d’Acampora, à época, o melhor da cidade. “Aprendi a fazer confitado, mergulhado no azeite e no forno.”

Com estudo e prática, o chef desenvolveu novas formas de tratar o molusco, que hoje ocupa 70% do cardápio do Rosso e surge no menu de seus outros restaurantes, o italiano Artusi e o D.O. Pescador, ambos referências na ilha. 

Neste último, ele insiste em realizar o feito de trabalhar com elementos do mar menos nobres, em preparos mais populares, mas é um desafio. “As pessoas não querem peixinho pequeno com espinha. Não é como em Portugal, onde a gente mete a mão, cavuca o peixe e tira a espinha.”

Müller tem um pequeno império no estado: além de comandar três restaurantes, dá consultoria a um bar no Mercado Público de Florianópolis e amadurece um novo projeto.

No mercado, com quase 350 anos no centro histórico e um dos principais pontos turísticos da cidade, o chef cumprimenta peixeiros, aponta e toca peixes e frutos do mar para explicar pormenores.

Ele recomenda, por exemplo, buscar polvos que pesem entre um quilo e meio e um quilo e oitocentos e que estejam com a coloração mais próxima do acinzentado. “Quanto mais roxo, mais passado”, diz.

Em seu ofício, também aproveita para valorizar outros peixes da região. “Acho inadmissível que a gente esteja numa ilha e que o peixe mais consumido seja o salmão, que vem do Chile. E isso não é um problema só daqui de Florianópolis, é nacional.”

Quer que provem os pratos de polvo, diz, mas quer que eles atraiam as pessoas para comer outras coisas —robalo, garoupa, tainha, camarões brancos. Tilápia de cativeiro e congrio chileno também são rejeitados em seus cardápios.

Ainda que Santa Catarina seja cobiçada pelos turistas no verão, é no inverno que fica atraente aos glutões. A um só tempo, a água gélida espanta as pessoas e acolhe os animais. O mar fornece peixes, moluscos e crustáceos mais carnudos e gordurosos. Contagem regressiva.


Polvo é destaque em outros restaurantes

Oleiro Cozinha Artesanal (Recife)

O chef Claudemir Barros, que na infância comia somente a carne branca e mais gorducha do polvo achando que era peixe, hoje coloca o molusco protagonizando uma de suas receitas-chave. Cozido em fogo brando, depois é selado em manteiga de garrafa e acomodado em uma musseline sedosa de couve-flor. Ao lado, uma farofa de cebola-roxa e farinha de mandioca ganha crocância com o acréscimo de castanha-do-Pará caramelizada. Sobre o polvo, um creme de umbu, fruta nativa do nordeste do Brasil, da caatinga, que conecta o prato com sua região de origem

rua Albino Meira, 58, Parnamirim, Recife

Origem (Salvador)

Baião de dois com polvo, do restaurante Origem, em Salvador - Divulgação

 No menu-degustação do chef Fabrício Lemos surge um ousado baião-de-dois com polvo e crocante de tapioca --o sagu é tingido com tinta de lula, desidratado e frito. O preparo recebe em sua base miniarroz (feito no caldo do cozimento do polvo com vinho branco) e feijão-verde. Patrimônio de Maragogipe, o fumeiro, carne de porco defumada artesanalmente em moquéns, como na tradição indígena, enriquece o conjunto da obra, finalizada com queijo coalho e coulis de agrião

al. das Algarobas, 74, Pituba, Salvador

Cozinha Roccia (João Pessoa)

Arroz de polvo com maionese de alho do restaurante Cozinha Roccia, de Onildo Rocha - Divulgação

 Das mãos do chef Onildo Rocha, um embaixador da cultura culinária paraibana, sai um arroz de polvo que podia soar comum, mas carrega particularidades que o tornam autoral. Faz-se a cocção do molusco em baixa temperatura, embalado a vácuo com uma marinada de vinho branco e água do mar. O suco que sobra desse processo é utilizado para cozinhar o arroz, incrementado com aioli, uma maionese de alho. Servido numa panela de ferro, tem sua base caramelizada e, com o colágeno do polvo, resulta cremoso, bem ligado

av. Antônio Lira, 536, Tambaú, João Pessoa

Puro (Rio de Janeiro)

Polvo crocante do restaurante Puro, no Rio de Janeiro - Divulgação

 É recente a mudança que o chef Pedro Siqueira fez no cardápio de seu restaurante Puro --mas foi preciso manter o polvo, prato mais vendido da casa. Depois de cozido, o polvo é embalado em uma fatia fininha de barriga de porco curada em salmoura e defumada e submetido a um calor agressivo em frigideira de ferro, que lhe deixa com a superfície tostada e sedutora. Esses tentáculos carnudos são servidos na companhia de salada de batata com maionese caseira e vinagrete de pimenta-biquinho

rua Visc. de Carandaí, 43, Jardim Botânico, Rio de Janeiro

Sainte Marie (São Paulo)

Brilha, neste restaurante árabe fora do eixo óbvio de São Paulo com ares de boteco, o arroz com polvo e linguiça defumada, feita com carne de cordeiro. O arroz-basmati colorido com açafrão e temperado com sabores orientais e pimenta  provocante, chega à mesa fumegante a exalar perfume. Sobre ele, belos tentáculos de polvo, bem carnudos

rua Dom João Batista Costa, 70, Jardim Taboão, São Paulo

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