1973: Voto de morto-vivo abre série inédita de investigações no Brasil

Caso do mineiro José Felix entrou para os anais da polícia

0
Primeira página do Notícias Populares de 28 de março de 1973 - Folhapress
Jair dos Santos Cortecertu
São Paulo

Como grande parte dos brasileiros, José Felix votou nas eleições estaduais de 1970 e compareceu para votar nas eleições municipais de 1972.

Porém o então juiz eleitoral de São Vicente (SP), Luiz Eduardo Corres Dias, constatou que o exercício democrático de Felix não poderia ter sido realizado. E explico logo o motivo: José Felix, eleitor natural de Lajinha (MG), tinha morrido em 25 de agosto de 1966.

O caso chegou ao conhecimento da reportagem do Notícias Populares, que descobriu que o esforço do juiz Luiz Eduardo para resolver o caso envolvia um fato inédito nos anais da polícia: uma pessoa morta assumir a identidade de outra viva.

Após meses de investigações, José Felix foi localizado. O mineiro disse que a primeira vez que ouviu sobre o fato de “estar morto” foi quando tentou votar nas eleições de 1972. Na ocasião, foi informado que não podia votar porque “legalmente estava morto”. Sem dar importância ao fato, ele continuou sua rotina até ser procurado pela polícia.

GÊNESIS

Em 12 de abril de 1967, o juiz Luiz Eduardo Corres Dias, da 177ª Zona Eleitoral, baixou portaria em que determinava, em vista do recebimento de certidão de óbito, a exclusão do eleitor José Felix, por falecimento. Ao processar a baixa, porém, funcionários do Poder Judiciário constataram que o “morto” havia votado em 1970 e tentara votar em 1972.

A folha de votação cancelada foi conferida, o que abriu chance para se confirmar a anomalia. Diante dessas informações, o juiz Luiz Eduardo enviou ofícios ao Instituto Médico Legal e à Santa Casa de Santos, pedindo detalhes sobre a morte de José Felix.

0
Detalhe da página 15 do jornal Notícias Populares de 28 de março de 1973 - Folhapress

O ofício do IML foi respondido pelo legista Décio Brandão de Camargo com a seguinte informação: “Em 25 de agosto de 1966, deu entrada neste IML, o corpo de um homem de cor preta, aparentando de 25 a 35 anos, que recebeu o nº 226 e foi examinado pelo legista de plantão, que deu como ‘causa mortis’ coma-hepática e insuficiência hepática”, informou o NP.

Depois, novas informações confirmaram que o morto fora identificado como José Felix, 36 anos de idade, filho de Francisco Felix e Ana Isabel de Jesus. Descobria-se ali que José Felix era natural de Varginha (MG). E mais: os órgãos consultados afirmaram que a identificação só foi possível graças ao fato de o morto ter sido preso em 20 de fevereiro de 1949, por agressão, quando foi condenado em 1950 a quatro meses de prisão e colocado em liberdade em 1952.

QUEM É O MORTO?

Entre janeiro e março de 1973, a busca pela verdade sobre o “eleitor morto-vivo” resultou numa peregrinação dos oficiais por repartições municipais e estaduais.

No cartório de registro civil de Santos, Victor Agostinho, investigador da polícia, encontrou a certidão de óbito de José Felix, datada de 2 de setembro de 1966, e o prontuário do mineiro, com seu RG e suas impressões digitais.

Após toda a investigação, a situação de José Felix foi esclarecida. O eleitor, que chegou a rir de toda a situação, foi vítima de um engano do setor de investigação, que colocou em seu prontuário a ficha datiloscópica de outra pessoa --assim, possivelmente, suas impressões digitais foram colocadas no prontuário do morto, que deveria estar constando como vivo na época.

No final do mês de março, José Felix compareceu à delegacia de São Vicente e foi ouvido pelo delegado e pelo juiz da 177ª zona eleitoral.  

Mesmo após a polícia dar o caso como encerrado, o Notícias Populares ainda deixou questões abertas em sua última reportagem sobre o caso:

“Em meio a tanta confusão, uma pergunta se manteve até hoje: quem foi a pessoa sepultada como sendo José Felix? De que maneira se cometeu um erro tão grave como este e quem poderia ter respondido por ele?”.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.