Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Em busca dos restos mortais do arquiteto Tebas

Escravo alforriado participou da construção das principais igrejas de São Paulo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O atestado de óbito não deixa dúvidas. O arquiteto Tebas, um escravo liberto cujo nome era Joaquim Pinto de Oliveira, foi enterrado na igreja de São Gonçalo, localizada onde é hoje a praça João Mendes. O documento, assinado pelo padre José Veloso Carmo, declara que ele morreu em 1811, aos 90 anos, vítima de gangrena.

Embora a idade da morte gere controvérsia – o historiador Luis Gustavo Reis sustenta que ele nasceu em 1733 e, portanto, teria morrido aos 78 anos –, há um consenso sobre o local do sepultamento. O que se pretende agora é fazer uma investigação para saber se seus restos mortais continuam ali.

Certidão de óbito de Tebas
Certidão de óbito de Tebas atesta morte em 1811 aos 90 anos - Divulgação

"O documento atesta que ele foi sepultado na igreja de São Gonçalo, mas é difícil saber se houve alguma remoção", diz o escritor Abilio Ferreira, organizador e coautor do livro "Tebas, um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata". "Submetemos um projeto para a Cúria Metropolitana, que já foi aprovado, de fazer uma prospecção para saber se ainda há material biológico no subsolo da igreja."

Ferreira explica que o trabalho vai permitir verificar a existência de ossadas, mas será muito difícil saber se elas pertencem a Tebas especificamente, o que dependerá de um longo estudo. A prospecção será feita usando uma técnica de escaneamento a laser sem intervenção na edificação da igreja. Segundo ele, o serviço ficaria a cargo do Centro de Arqueologia de São Paulo, órgão da Prefeitura.

Igreja de São Gonçalo
Interior da igreja de São Gonçalo, na praça João Mendes, onde Tebas foi sepultado - Vicente Vilardaga

Tebas é um personagem lendário do Brasil Colônia que se notabilizou pela maestria no seu ofício. O próprio apelido Tebas significa pessoa notável, que faz algo muito bem. Ele dominava como ninguém a técnica da cantaria, que consiste em esculpir pedras brutas dando-lhes formas geométricas ou figurativas para usá-las em construções com objetivos ornamentais ou estruturais.

Nascido em Santos, chegou em São Paulo por volta de 1750 junto com seu proprietário, o mestre pedreiro português Bento de Oliveira Lima, e uma equipe com outros três escravos artesãos.

Sua primeira obra conhecida foi a fachada da antiga igreja do mosteiro de São Bento, em 1766. Anos mais tarde, em 1775, faria os três arcos da entrada da igreja da Ordem Terceira do Carmo. Seguiu fazendo projetos religiosos como a reforma da matriz da Sé, de 1778, e a fachada completa da mesma igreja do Carmo, em 1779.

Igreja da Ordem Terceira do Carmo
Igreja da Ordem Terceira do Carmo: fachada foi construída por Tebas - Vicente Vilardaga

Segundo Luis Gustavo Reis, foi em dezembro de 1777 que ele conquistou a sua emancipação, depois da morte de Bento de Oliveira Lima, que deixou dívidas e obras inacabadas. Sua liberdade teria sido alcançada em uma ação judicial movida contra a viúva de Lima. Ele ganhou a ação e comprou a alforria do seu novo proprietário, o arcediago da matriz da Sé, Matheus Lourenço de Carvalho, que o havia arrematado em leilão e o incumbido de concluir as obras da Sé.

Em 1783, Tebas foi responsável pela construção da fachada da igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, no largo São Francisco, e, em 1792, pelo chafariz da Misericórdia, primeiro equipamento público desse tipo na cidade e sua obra mais famosa. Era chamado, inclusive, de chafariz do Tebas. A construção foi retirada do largo da Misericórdia em 1886 e transferida para o largo de Santa Cecília até desaparecer completamente. Ainda hoje se investiga seu destino.

Largo da Misericórdia
Largo da Misericórdia, lugar onde estava localizado o chafariz do Tebas - Vicente Vilardaga

Entre as obras cuja execução foi comprovadamente de Tebas está o cruzeiro franciscano de Itu. Também existem documentos que confirmam seu toque de mestre na fachada da Ordem Terceira do Carmo. Já no caso da fachada das Chagas do Seráfico, principal exemplar arquitetônico preservado do século XVIII no núcleo urbano de São Paulo, não existe comprovação. Mas é certo que ele fez algumas obras internas na igreja.

A maior parte de sua arte se perdeu com as reformas e reconstruções das igrejas no qual trabalhou. "Tebas, porém, nunca foi esquecido, sempre foi muito famoso, teve prestígio e a partir de certo momento começa a ser chamado de arquiteto", diz Abilio Ferreira. Ao longo dos séculos a memória de seu talento único e inegável se perpetuou. Em 2020, foi inaugurada uma estátua em sua homenagem.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.