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Lúcia Oliveira Juliani

A arqueologia da metrópole

Achados recentes no Bixiga e na Liberdade trazem à luz história invisibilizada

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Lúcia Oliveira Juliani

Geóloga pela Unesp e mestre em arqueologia pela USP, foi pioneira no Departamento de Patrimônio Histórico de São Paulo e mentora do Centro de Arqueologia de São Paulo. É diretora da empresa A Lasca Arqueologia, responsável pela arqueologia nas escavações da linha 6-Laranja de metrô.

No Brasil, a arqueologia urbana teve início nos anos 1990, envolvendo discussões entre fazer arqueologia na cidade ou da cidade. Eram abordagens pioneiras, no bojo dos estudos norte-americanos, que já prosperavam. De modo distinto ao que ocorre na Europa, onde pesquisadores há muito se debruçam sobre a complexa estratigrafia das cidades romanas, só há pouco mais de três décadas norte e sul-americanos descobriam que o solo preserva os vestígios de todas as fases de remodelação urbana. Hoje são as grandes obras de infraestrutura que possibilitam o encontro com esse passado.

Em São Paulo, essa experiência teve início entre 1989 e 1991, quando nós, então técnicos do Departamento do Patrimônio Histórico, acompanhamos as obras do Vale do Anhangabaú. Entre inúmeros dados relevantes, foi evidenciado o duto de canalização do ribeirão Anhangabaú, obra do final do século 19. A descoberta representou o início de uma política para o patrimônio arqueológico, resultando no Artigo 197 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, de 1990.

Isso levou os arqueólogos a se voltarem para uma nova questão: o complexo processo formativo dos sítios urbanos. Do final do século 19 e, principalmente, ao longo do 20, São Paulo se desenvolveu com a construção de grandes eixos de ocupação, representados pelas avenidas que ocuparam os fundos de vales. A geomorfologia foi modificada para aplainar os terrenos, com cortes e aterros de grandes proporções.

Nesses locais, os vestígios materiais resultantes dos assentamentos mais antigos foram soterrados por espessos pacotes de solo que, ao mesmo tempo em que nos dificultam o acesso, preservam a história evolutiva da cidade. Por essa razão, obras de infraestrutura profundas, como é o caso do metrô, são excelentes oportunidades para o resgate dessa memória.

A descoberta, nas obras da linha 6-Laranja, de dois sítios arqueológicos, um no Bixiga e outro na Liberdade, nos traz a oportunidade de falar um pouco sobre uma história invisibilizada. Ambos em territórios negros, esses dois sítios somam-se ao Cemitério dos Aflitos, encontrado e pesquisado em 2018 —projeto que também pudemos desenvolver.

Esses achados resgatam parte importante da história negra paulistana. No Bixiga, a pesquisa do quilombo que ali se instalou no século 19, na confluência dos córregos Saracura Grande e Mirim, no Vale do Anhangabaú, pode nos contar sobre a história e a permanência da resistência negra. O mesmo ocorre com o sítio Lavapés, que identificamos na Liberdade.

O sítio no Bixiga, escavado por profissionais especializados na complexidade arqueológica paulistana, já se apresenta como um testemunho da história. O solo arqueológico aflorou a cerca de 4 metros de profundidade. Também iniciamos as escavações do Lavapés.

É assim que, aos poucos, se desenterra, por meio de obras de metrô, o passado de uma das maiores metrópoles do mundo, desvendando o cotidiano ancestral e parte da nossa cultura.

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