Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

O samba pede passagem para Deolinda Madre

Agitadora cultural, ela fundou a escola Lavapés, a mais antiga de São Paulo

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São Paulo

Deolinda Madre ou Madrinha Eunice é uma das personagens mais fascinantes da cultura paulistana no século 20. Sua trajetória gloriosa prova que o samba local se desenvolveu cheio de energia e com forte identidade.

Homenageada desde 2022 com uma estátua na praça da Liberdade África-Japão, ela foi uma grande agitadora cultural e de sua mente partiu a ideia da criação da escola Lavapés, a mais antiga em funcionamento em São Paulo, fundada em 1937 no bairro do Glicério. Hoje ela se chama Lavapés Pirata Negro e tem sede no Jabaquara.

O projeto de criar uma escola de samba nasceu um ano antes de sua fundação, na sequência de uma viagem de Deolinda com o marido Francisco Papa, apelidado de Chico Pinga, para o Rio de Janeiro, onde conheceram o Carnaval na Praça Onze.

Ficou encantada com os desfiles, especialmente com o de uma agremiação, a São Carlos, que hoje é a Estácio de Sá, e usava as cores vermelho e branco. Deolinda achou bonito e, como homenagem, decidiu adotar as mesmas cores na Lavapés.

A fundadora da Escola de Samba Lavapés, Deolinda Madre, durante desfile em São Paulo

No seu primeiro desfile, a escola reuniu um grupo de batuqueiros e 20 homens do bairro vestidos de baianas. O símbolo escolhido para a nova escola foi, justamente, o de uma baiana, figura que a sambista admirava.

Nascida em Piracicaba, em 1909, veio para São Paulo aos 12 anos. Adotou o nome artístico Madrinha Eunice e era uma benfeitora. Sem filhos biológicos, tinha 41 afilhados e gostava de festas e de reunir pessoas. Também se regozijava com o som dos atabaques e com as rodas de tiririca, a capoeira paulista.

Comerciante, vendedora de frutas –chegou a administrar quatro barracas–, estabeleceu fortes vínculos com a música e a dança desde a juventude, quando, em sua cidade natal, conheceu o batuque de umbigada ou do golpe de barriga, da tradição banto.

Junto com seu irmão José Madre, o Zé da Caixa, e Chico Pinga, que era descendente de italianos e cavaquista, costumava juntar os amigos para rodas de samba na noite de São João. Além disso, era frequentadora da festa de Santa Cruz, no dia 3 de maio, ao lado da Igreja de Santa Cruz das Almas dos Enforcados, na Liberdade.

Ensaio da Lavapés, escola mais antiga da cidade e sete vezes campeã do Grupo Especial

Antes de fundar a escola Lavapés também fez parte, na década de 30, de um bloco carnavalesco no Glicério chamado Baianas Paulistas ou Baianas Teimosas que foi organizado por três anos.

Outra festa que Deolinda não perdia era a de Bom Jesus de Pirapora, onde conheceu Chico Pinga, natural de Campinas. O evento acontece no dia 6 de agosto e comemora o achado da imagem de Jesus às margens do rio Tietê, em 1725.

Por vários anos, ela levou os integrantes da Lavapés e sua família para acompanhar a procissão e depois se reunir atrás da igreja para organizar uma roda de samba que se prolongava por toda a noite. A festa aparece na música "Batuque de Pirapora", de Geraldo Filme, outro craque da música paulistana.

Durante suas três primeiras décadas de existência, a Lavapés teve seu período áureo e foi uma grande força do Carnaval.

Casa onde foi fundada a Lavapés, em 1937, no Glicério: hoje a escola tem sede no Jabaquara

Passaram por ela sambistas que fundariam outras escolas da cidade, como Carlão do Peruche (Unidos do Peruche), Silval do Império (Império do Cambuci), e Chiclé e Mestre Thadeu (Vai-Vai). Também integrou a Lavapés o cantor e compositor Germano Mathias. Seu Nenê, fundador da Nenê da Vila Matilde, era amigo de Deolinda, com quem participava de rodas de samba.

A Lavapés foi sete vezes campeã do Grupo Especial. Os dois últimos títulos na elite foram em 1961 e 1964. A partir daí a disputa se acirrou, a escola se enfraqueceu e passou a ser superada por concorrentes mais fortes e endinheirados. O Carnaval se tornou um negócio caro demais para a Lavapés.

Atualmente, a escola desfila no Grupo Especial de Bairros da Uesp (União das Escolas de Samba Paulistanas). Cotada para ganhar e subir para o Grupo de Acesso 2 da Liga-SP, ficou apenas com a quinta posição no último Carnaval. Seu atual presidente é o ator Aílton Graça, que acrescentou Pirata Negro ao nome da Lavapés. Deolinda morreu em 1995.

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