Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga
Descrição de chapéu medicina

A curiosa arte da escultura em cera no museu de medicina da USP

Exposição "A Pele Enferma" mostra obra de Augusto Esteves sobre doenças cutâneas

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São Paulo

Nas minhas andanças pela cidade resolvi visitar o museu histórico da Faculdade de Medicina da USP,. Estava convencido de que era um lugar cheio de curiosidades. Imaginava um museu da ciência médica abrangente, com a apresentação de um grande acervo permanente e recursos interativos. Não é bem assim, mas gostei do que vi.

Primeiro pela localização. A faculdade está cercada de árvores frondosas, alamedas e está previsto que seus jardins se transformarão em um parque público em breve. Depois pela arquitetura do prédio onde fica o museu, uma construção de 1931. Assim como todo o conjunto de edifícios naquela área, ele foi projetado pelo escritório Ramos de Azevedo. Tem escadarias belíssimas e está muito bem preservado.

Exposição "A Pele Enferma" mostra em peças de cera lesões deixadas por doenças dermatológicas

Instalado no quarto andar, o museu tem uma posição discreta. Está no final de um extenso corredor e ocupa um salão de uns 300 metros quadrados. Numa das paredes há uma coleção de bustos de doutores ilustres que passaram pela Faculdade de Medicina ou contribuíram de maneira decisiva para a evolução da ciência, como o sanitarista Oswaldo Cruz e o médico grego Hipócrates.

Já há algum tempo a grande atração do museu é a exposição "A Pele Enferma" com 40 esculturas de cera de partes de corpos humanos afetados por algum tipo de doença dermatológica. São 40 obras de autoria de Augusto Esteves feitas entre os anos 1930 e 1950.

Esteves era contratado pela Faculdade de Medicina e considerado um mestre da ceroplastia. Trabalhou antes no Instituto Butantan, onde fez um primeiro catálogo com desenhos de serpentes. Era um pintor naturalista que emprestava seu talento em favor dos serviços de saúde.

Augusto Esteves
Autorretrato de Augusto Esteves: desenhista e mestre da arte da ceroplastia

O passeio pelo museu não chega a ser emocionante, mas traz muitas informações surpreendentes. Há equipamentos médicos usados no passado, uma cápsula do tempo que será aberta em 2062, uma bula papal de Clemente VI do século 14 que veio de uma doação e o anel de médico do doutor Arnaldo Vieira de Carvalho, fundador da faculdade.

A escultura de cera era uma forma de ver as doenças concretamente, distinguir umas das outras e aprender a identificá-las. Hoje são usados recursos digitais. De qualquer forma, graças a Esteves, a Faculdade de Medicina tem um dos maiores acervos de ceroplastia da América Latina,

Quem for ao museu vai saber, por exemplo, quais são as marcas repulsivas no corpo deixadas pela hanseníase, por exemplo, ou pela peste bubônica, a herpes zóster, o vitiligo, a sífilis, a psoríase, a leishmaniose e o câncer de pele. Não é algo bonito de se ver, mas impressiona a qualidade das esculturas. Uma delas exibe um corpo completo com membros contaminados.

Doenças dermatológicas
Exposição propõe aproximação entre arte e ciência: esculturas tinham fins didáticos

Esteves retratava as doenças dermatológicas de pacientes de São Paulo. Quando falecia alguém ele usava gesso para tirar um molde da parte mais afetada e depois cobria com cera de abelha e pigmentos de maneira realista. Ele também trabalhava no Instituto Médico Legal onde moldava peças de cera de vítimas de crimes

Chama atenção no museu também o quadro "Operação terminada", pintado por Roberto Fantuzzi em 1932. A obra retrata uma cirurgia realizada por médicos e professores na Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia que, até 1944, foi o hospital escola utilizado pela USP para o ensino prático de seus alunos. A tela mostra que naquela época os médicos não usavam luvas.

Faculdade de Medicina da USP
O busto do doutor Arnaldo Vieira da Carvalho, fundador da Faculdade de Medicina

A exposição propõe uma aproximação inteligente entre arte e ciência. As representações de Esteves eram úteis para o aprendizado da medicina num tempo em que não havia a penicilina para combater infecções. Em vez de ter contato com o corpo doente, os estudantes podiam conhecer as manifestações dermatológicas de várias enfermidades de maneira segura.

Há também o caráter histórico da mostra, que revela as preocupações médicas com relação às doenças que atingiam a população na primeira metade do século 20. As esculturas de cera tinham função didática e eram usadas como materiais de sala de aula. Foram ferramentas preciosas na medicina do passado e são uma demonstração assustadora da evolução da ciência.

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