Eu já tinha passado uma raiva danada porque no dia da apresentação de final de ano da biscoita —minha filha Elis, de sete anos—, ninguém na escola, aparentemente, sabia onde estava o raio da chave que aciona a plataforma elevatória que levaria o único pai cadeirante presente ao teatro onde rolaria o evento.
Chama o bombeiro, a diretora, a inspetora, o padre, o chaveiro e ninguém dava conta de fazer o básico, liberar o acesso do elevador, feito justamente para facilitar a vida de pessoas com questões de mobilidade.
"Não começa enquanto o pai não estiver lá dentro", ordenou o diretor, mais suado que tampa de marmita. Mas, finalmente, acharam a chave e o espetáculo começou.
Com a emoção natural de pai babão vendo a filha desfilar por uma história que contava a necessidade protegermos o mar e as criaturas marinha, fui tomado de euforia quando um grupo de crianças começou a cantar:
"Quem te ensinou a nadar? Quem te ensinou a nadar? Foi, foi, marinheiro, foi os peixinhos do mar". Além da fofura natural, uma menininha de cabelos escuro, batendo no ombro, saltava e sorria pelo palco em total contraste com o restante da turma, toda organizada, em fila, coreografando um balanço de ondas.
A garotinha ia de um lado para o outro, sorria, de repente, fazia uma performance no chão e voltava a pular, não totalmente no ritmo da canção, mas no ritmo de sua felicidade, de suas possibilidades de interação e entendimento, no ritmo de estar incluída e poder ser quem é.
Ter crianças que representem as diversas vertentes de estar vivo dentro da escola, da escola do seu filho, é uma oportunidade única de ele experimentar a proximidade com vidas vividas de maneiras distantes das redomas da rua, da família e atadas com o anseio e com o movimento que o mundo faz de harmonizar a existência com a pluralidade de ser, de estar e de permanecer.
"Pai, você nem reparou, mas no coral de Natal também tinha um colega com autismo. Maravilhoso, pai. Ele estava tão feliz. Cada um tem que ser o que é, né, pai? Ainda bem que na escola tem crianças com deficiência, de outros lugares do mundo, raças. Falta um indígena, pai."
Inclusão escolar não é somente "botar para dentro dos portões", é construir, junto com a comunidade escolar, maneiras de harmonizar as demandas específicas de uma criança –se assim ela as tiver— com os demais. Não é isolar, é botar para cantar junto, mesmo que o som saia por um computador, por movimentos, com o dobrar da pestana.
É no colégio o ambiente maior de experimentação, de troca de valores, de aprender com experiências e bagagens variadas que podem vir do professor, do livro, das "internets" e também, fundamentalmente, da interação entre os alunos.
Questione se o ambiente onde os seus estudam "aceita" —termo que devemos combater pela desumanidade do contrário— alunos os mais diversos possíveis em suas potências físicas, intelectuais e mentais. O saber das relações humanas jamais será encontrado na uniformização do aprendizado.
Quando mais avançarmos nisso como sociedade, menos elevadores vão precisar de chaves, mais todos nós teremos maneiras de abri-los, de cantar sem música, de ver com emoções, de ouvir com gestos, de entender para além das limitações que habitam a nossa forma de olhar para o mundo e para as crianças, estas, sim, doidas para serem plurais.
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