Jairo Marques

Assim como você

Jairo Marques - Jairo Marques
Jairo Marques
Descrição de chapéu pessoa com deficiência

Professores são para salvar a nossa vida

A gente não pode horizontalizar quem nos guia à sobrevivência, quem nos indica maneiras para ampliar o que somos

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São Paulo

Minha professora da segunda série, Olguinha, não tinha o antebraço direito. Escrevia na lousa com a mão esquerda enquanto segurava, a seu modo, o apagador com o que restava a ela do outro braço. Era rápida, atenta e distribuía doses necessárias de carinho para pequenos daquela idade, geralmente, dando beijos no alto da cabeça e cobrando alguma dedicação de todos.

Seguramente, ela foi a minha primeira referência de possibilidades diante as adversidades físicas que a vida me impôs. Eu, cadeirantinho, sabia nada a respeito de enfrentamentos que a realidade me exigiria, sobre preconceitos com as diferenças, sobre a necessidade de ter fôlego para encarar um mundo que esqueceu que "serumano" não é feito em formas de bolo.

Pessoas impunham na rua um cartaz em formato de livro com a inscrição livros Sim! Armas Não!
Movimento de apoio à educação em SP (30.05.2019) - Jardiel Carvalho/Folhapress

Olguinha ajudou a salvar minha infância quando me deu olhares com uma atenção mais próxima, presentes vários de alento à pobreza e um amigo, seu filho, Ricardo, que me chamava para brincar com seu "telejogo", algo como acender fogo com gravetos se comparado aos atuais videogames.

Um pouco mais velho, um pool informal de mestres foi formado —pelo menos na minha cabeça foi assim— para salvar minha ingrata adolescência amarga, trajada com uma sensação constante de fracasso, de patinho feio, de leite derramado.

O Paganelli mostrava os caminhos da semântica e, com ela, pude entender e ser mais bem entendido. A Mercedes ensinou a dormir com as ideias, dar café da manhã e almoço a elas para que, no jantar, elas me dessem um texto como esse aqui, como dádiva.

Aprendi a viajar bem longe nos pensamentos com os livros e autores apresentados pela Regina, ganhei autoestima com o Emerson que, certa vez, disse que eu era, imagem só, "maravilhoso", e dei os primeiros passos no autoconhecimento e fortalecimento da fé com o Paulão.

Já com alguma barba na cara, o Jorge, o Eron, e o Mauro contornaram, pegando na minha mão, a caligrafia desafiadora que me faria jornalista, com a devida alma inquieta de repórter. Foram meus professores, mais uma vez, que me salvaram de entrar no buraco do conformismo de deixar de seguir meu talento para ficar numa situação "mais tranquila para mim".

Médicos deram uma geral no meu esqueleto, bem torto, ao longo da minha existência. Ajudaram a otimizar o meu dia a dia com tratamentos indóceis para as consequências de uma paralisia infantil severa, mas foram meus professores que jogaram luz em possibilidades de ser feliz, em belezas de caminhos sinuosos, em forças vindas do pensar de forma inteligente.

É impalatável ver professores mortos e feridos, sem conseguirem proteger a si mesmos —e lutando para evitar o pior a seus alunos— em uma tragédia dentro de uma escola que, de certa forma, está abandonada a própria sorte… dos professores. A gente não pode horizontalizar quem nos guia à sobrevivência, quem nos indica maneiras para ampliar o que somos.

Educadores são "influencers" legítimos para habilidades de caráter, de comprometimento para além do próprio umbigo, para a crença nas liberdades por meio do conhecimento. Talvez, se fizermos o exercício básico de resgatar na mente as vezes que fomos salvos por nossos mestres, conseguiremos ajudar a curar o ambiente escolar e deixarem de ferir nossos professores.

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