Jairo Marques

Assim como você

Jairo Marques - Jairo Marques
Jairo Marques
Descrição de chapéu pessoa com deficiência

Uma praga linguística chamada PCD

A sigla objetifica quem batalha diuturnamente para ser visto com mais equidade e anseia espaços sociais

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Está em todos os lugares e na boca do povo: "Este aqui é o espaço dos PCDs" ou ainda "Você é um PCD de qual tipo?" e tem também, "As PCDs são um dos pilares da diversidade na nossa firma".

Pessoas com deficiência, "difinitivamente", como diria minha tia Filinha, estão rapidamente sendo representados pela sigla PCD, com o requinte de qualquer pronome servir, o pessoa, a pessoa, e pessoa.

Entendo que o objetivo da abreviação seja para tornar mais prático, simplificar o nomão que designa na atualidade o povo com deficiências físicas, sensoriais e intelectuais, mas o resultado prático é um desastre silencioso na tentativa mundial de fazer esse grupo social ser entendido como gente.

Um painel com várias imagens de pessoas com deficiência em expressões artísticas
Diversidade é celebrada em espaço reaberto em SP - Governo de SP/Divulgação


Transformar pessoas com deficiência em PCD é objetificar quem batalha diuturnamente para ser visto com mais equidade, com mais entendimento de suas demandas específicas e com anseios de espaços sociais ainda extremamente exíguos, como os do trabalho, do lazer e da educação.

O negócio é tão grave que a sigla tem se tornado sobrenome em redes sociais para, supostamente, facilitar o entendimento dos outros de que o cidadão tem uma condição de deficiência. Assim, existem o Joãozinho PCD, o Antonio da Silva PCD, a Carmem PCD.

Desconheço, afora alguns casos pontuais e meio jocosos, quem se autodefina Aurora Sapatão, Otacílio Negro Retinto, Amadeu Índio da Amazônia, como forma de facilitar o entendimento dos outros sobre si mesmo.

Não sou nenhum puritano das palavras e uso "malacabado" há um tempão, o que já irritou um bocado de gente, ao mesmo tempo que fez outro bocado pensar na indiferença com que se trata esse público. A sigla PCD, porém, tira a pessoa com deficiência do todo e a bota no cantinho, tira a força do nós e a torna eles, empacota a pluralidade de ser.

"Ah, mas para de ser xarope! Os LGBTQIAP+ também são sigla e todo mundo é de boa!". A diferença aqui é enorme. As letras desse grupo guardam em si as especifidades das identidades de gênero e progridem conforme as representações e as expressões vão ganhando força e voz. A cidadania das pessoas Trans, Gays, Bissexuais está minimamente presente.

Concordo que faltariam letras para dar conta do espectro das deficiências, por isso, sempre melhor, sermos pessoas. No trato individual e para questões objetivas, tudo certo em dizer cadeirante, cego, surdo, paralisado cerebral, autista, pessoa com nanismo, pessoa com síndrome de Down.

Fico pensando se esse negócio de sigla vingar mesmo, quando houver uma interseccionalidade —interação entre dois ou mais fatores sociais que definem uma pessoa— vai ser uma sopa alfabética: "Olá, boa tarde, sou Mauro, um PCD LGBTQIAP+ e não tenho benefício do INSS."

A gente não consegue parar algo que cai na boca do povo, tenho ciência disso. A língua tem sua dinâmica e os termos colam conforme as necessidades, a aderência do uso e a própria naturalização/aceitação das expressões.

PCD, ao meu olhar, não é natural, não é necessário e faz fracassar o esforço de entender as diferenças como condições das pessoas, bem humanas, totalmente possíveis de estar junto. Ser inclusivo, ser honesto com a pluralidade é dar visibilidade e oportunidade, nada de simplificações e reduções.

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