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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli
Descrição de chapéu ciclismo de estrada ciclismo

Lixo e ciclismo não combinam

Morador de Campos do Jordão (SP) comenta sua participação no "L'Étape Brasil"

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Em espaço aberto aos leitores da Folha, o Ciclocosmo publica hoje o relato do advogado Eduardo Medeiros do Paço, morador de Campos de Jordão (SP), sobre sua participação na prova ciclística "L'Étape Brasil by Tour de France".

Por Eduardo Medeiros do Paço

No último domingo (25), aconteceu em Campos do Jordão (SP) a edição 2022 do L’Étape Brasil, versão da famosa prova de ciclismo de estrada Tour de France. É uma prova destinada aos ciclistas amadores que desejam experimentar a sensação de combinar o desafio desportivo com as paisagens montanhosas e o ar puro da serra da Mantiqueira. O evento contou com mais de 4.000 homens e mulheres, de 18 a 83 anos, encarando dois percursos, sendo o mais longo de 107 km e o curto com 66 km de extensão.

Por ter nascido em Campos do Jordão e crescido pedalando com meu pai pela cidade e arredores, decidi me inscrever. Sonhava pedalar em meio à natureza e comemorar com meus amigos de infância na linha de chegada.

A prova aconteceu logo pela manhã, com a temperatura batendo 5 graus centígrados. Com o passar do tempo, o sol apareceu e trouxe um dia bonito para quem ia subir e descer as montanhas com vista para a Pedra do Baú. No entanto, o ambiente perfeito para uma prova de ciclismo foi logo quebrado pela falta de educação de alguns participantes.

Composição de duas imagens. À esquerda uma fila de ciclistas aguardando a largada. À direita o lixo deixado deixado em uma estrada de Campos do Jordão
Leitor da Folha relata sua indignação com lixo descartado por ciclistas durante prova em Campos do Jordão (SP) - Eduardo Medeiros do Paço

No trajeto da serra, cruzei com centenas de sachês plásticos de hidratação e garrafas PET jogadas na estrada pelos ciclistas. Um verdadeiro absurdo! Vale lembrar que a jersey, camisa especial para a prática desse esporte, possui bolsos na parte das costas que podem ser usados para abrigar o lixo durante a prova.

Quem fornece os produtos que suplementam os ciclistas é a própria organização do L’Étape Brasil, que possui uma equipe espalhada em pontos de apoio pelo percurso para auxiliar os participantes, mas peca em orientá-los sobre o descarte correto do lixo e em fazer a limpeza nas vias no pós-evento. O lixo ficou inteiro pelas estradas.

Na segunda-feira seguinte ao evento, choveu torrencialmente o dia inteiro. Para onde foi esse lixo? Para os rios e mananciais da montanha, é claro.

A inscrição para participar dessa pedalada chega a custar quase um salário mínimo, o que demonstra que a educação e a consciência não têm nada a ver com dinheiro. Finalizei a minha participação me questionando sobre o esporte e os ciclistas. De que adianta, numa prova amadora, ter a bicicleta mais evoluída tecnologicamente (algumas custam mais de R$ 100 mil) se você joga lixo na natureza porque acredita que a sua performance é mais importante?

Além disso, neste ano, o L’Étape, que está em sua oitava edição no Brasil, teve pela primeira vez uma testagem para doping, mesmo sendo uma prova para atletas amadores. O primeiro lugar no pódio da categoria feminina do percurso ficou vazio por suposto doping. A organização da prova está investigando o que de fato ocorreu.

Essa sujeira, em todos os sentidos, só demonstra o quanto o evento está cada vez mais longe da essência do ciclismo.

A bicicleta, em seu fundamento, é um catalisador social, que leva as pessoas de um ponto a outro sem poluir o meio ambiente. Movida a "arroz e feijão", a bike traz uma sensação única de liberdade que só as duas rodas podem proporcionar, sendo o condutor o seu próprio motor.

Dessa maneira, há que se fazer uma reflexão sobre o que o evento organizado pelo Tour de France quer trazer para a cidade.

No artigo 10º do regulamento de inscrição, a organizadora do evento afirma, corretamente, que "se reserva o direito de atribuir penalidades de tempo para os concorrentes que descartem lixo fora das áreas designadas" –contudo, com 4.000 participantes, questiona-se quantas penalidades foram realmente aplicadas, pois quem participa do percurso sabe que não existe uma fiscalização real sobre esse ponto.

É preciso um trabalho sério de formação e informação para que o L’Étape em Campos do Jordão não se torne apenas turismo exploratório, feito por pessoas com grande poder aquisitivo mas sem espírito desportivo, sem educação e sem respeito pelo meio ambiente e pelas comunidades por onde passam.

Que tal criar penalidades reais para os supostos "ciclistas" que envergonham esse esporte e para a entidade organizadora, que deixou de orientar corretamente seus participantes? Que tal incluir como obrigação da prefeitura e/ou da entidade organizadora a limpeza em "tempo real!" da sujeira que os "esportistas" vão deixando pelo caminho?

A mesma pressa que os participantes têm para terminar a prova a organização do L’Étape precisa ter para conscientizá-los sobre a sujeira deixada a cada curva.

Pode ser um passo pequeno. Mas não se pode esquecer que uma prova ciclística começa com uma simples girada de pedal.

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