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A solução para um quebra-cabeças criptográfico

Bárbara Amaral quer reabrir com a física quântica uma questão antiga da segurança da informação

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Pedro Lira

Duas pessoas vão tirar cara ou coroa por telefone. Como garantir que ninguém vai trapacear? Uma opção é o jogador número 1 escrever sua aposta num papel, trancá-la num cofre e enviá-la ao jogador número 2, que então joga a moeda e só aí abre o cofre. Mas, neste cenário em que as duas partes não podem se comunicar por imagens ao vivo, nada garante que o segundo jogador não vá quebrar o cofre antes de lançar a moeda, falseando o resultado a seu favor.

O exemplo pode parecer distante de um caso de segurança digital, mas a analogia explica a pesquisa de Bárbara Amaral, professora de física da USP, e de seus colaboradores, Charles Tresser (IMPA) e Paulo Nussenzveig (USP), que acreditam ter a solução para um problema antigo: o comprometimento de bit. A cientista aposta que pode desenvolver um protocolo quântico de criptografia, ou seja, uma estratégia mais eficaz para manter protegidas as informações trocadas online.

Arte ilustra duas pessoas, uma vestida de vermelho com rosto azul e outra vestida de azul com rosto vermelho, segurando duas "latinhas" conectadas por um fio, como em uma brincadeira de telefone sem fio.
Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

A criptografia é o campo do conhecimento que investiga técnicas de comunicação que permitem apenas ao remetente e ao receptor o acesso a uma determinada mensagem, o que nos dá mais segurança para fazer uma chamada por Zoom ou uma transferência bancária pela internet. Isso é possível graças a diferentes protocolos que mantêm o sistema seguro. O comprometimento do bit, um desses protocolos criptográficos, é um ponto fraco que assombra há anos os pesquisadores da área.

"É como se essas estratégias de segurança digital fossem um quebra-cabeças composto de várias peças, sendo o comprometimento de bit uma pecinha fundamental", explica Amaral. Ou seja: em teoria, quem possuir um computador superpotente e conseguir quebrar aquele elo sensível poderá hackear vários protocolos atuais. "Nosso plano é resolver esse ponto fraco."

Apesar da confiança da pesquisadora, o desafio não é simples -existe até um consenso de que a questão é insolúvel. No final dos anos 1990, dois artigos na revista "Physical Review Letters", uma das mais prestigiadas da área, mostraram que, mesmo usando a física quântica, o comprometimento de bit é impossível de ser 100% contornado: no jogo de cara ou coroa por telefone, uma das duas partes sempre consegue trapacear. "Esses estudos trouxeram teoremas que encerraram o assunto e diminuíram o interesse da comunidade nessa questão", relembra Amaral.

Ainda que não haja dúvidas quanto aos estudos, a professora e sua equipe acreditam ser possível contornar algumas hipóteses apresentadas. "Estudando as provas dos teoremas, encontrei uma possível saída: queremos adicionar ao protocolo um sistema auxiliar que servirá para garantir que a parte que recebe o cofre siga as instruções corretamente", explica. "Entre os sistemas quânticos pode haver uma correlação mais forte que entre os sistemas clássicos, um fenômeno conhecido como emaranhamento quântico, e são essas correlações que podem nos ajudar."

Esse sistema auxiliar enviado à segunda parte deve estar correlacionado a outro sistema que a primeira mantém em seu poder. Caso o segundo jogador tente trapacear, ele irá destruir essas correlações entre os sistemas auxiliares de uma maneira que pode ser verificada pelo primeiro jogador.

Na analogia do jogo, seria como a primeira pessoa enviar dois cofres, um com o seu comprometimento e um com o sistema auxiliar adicional. A parte que recebe o cofre não sabe qual é qual. Caso ela tente quebrar os cofres, irá destruir a correlação entre o sistema auxiliar que foi enviado e o sistema que ficou com o primeiro jogador. "É um projeto ousado, considerando que toda uma comunidade trabalhou nisso por anos e não conseguiu fugir dessa impossibilidade. Mas se a gente conseguir resolver de forma mesmo que parcial, seria um avanço muito representativo", conta.

O grupo precisa provar que a teoria é viável na prática. Para 2022, o plano é desenvolver um protocolo que funcione em um cenário ideal e ter a análise do caso pronta e publicada. "Isso já vai provocar um boom na comunidade -ainda que achemos uma pequena falha na ideia, o resultado vai gerar uma discussão, inspirar pessoas a retomar o tema", diz Amaral. Se der certo, em cerca de três anos o grupo começará a implementação experimental nos laboratórios da USP. "É nos projetos de risco que está a ciência que precisamos fazer", ela conclui.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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