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Descrição de chapéu mudança climática chuva

O que correntes oceânicas nos contam sobre mudanças climáticas

No fundo do mar, geólogo busca a solução para um problema hídrico

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Pedro Lira

"Com o que sei fazer, qual a pergunta mais importante que consigo responder?" Foi a partir dessa reflexão que Vinícius Ribau Mendes começou a estudar os impactos das mudanças climáticas nas chuvas da América do Sul. Analisando sedimentos retirados do oceano como areia e lama, o geólogo investiga o passado da Terra para entender o presente e pensar em formas de nos preparar para o futuro.

Com o intuito de validar previsões e entender como as alterações nas correntes oceânicas afetam as chuvas, Mendes e sua equipe estão reconstituindo um quadro que se repetiu duas vezes ao longo dos últimos 20 mil anos: o colapso de um dos conjuntos de correntes oceânicas mais energéticos do mundo.

Arte ilustra a América do Sul em laranja sobre um fundo rosado; nuvens com chuvas permeiam todo o continente e os oceanos ao redor.
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

O projeto nasceu na Universidade Federal de São Paulo, onde o pesquisador leciona, mas já é uma empreitada internacional, com colaborações de cientistas das universidades alemãs UniHeidelberg e UniBremen, além da USP e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Mais do que necessária, a pesquisa é urgente. O Brasil enfrenta a terceira crise hídrica em vinte anos e a maior já registrada em 91 anos. Em dezembro de 2021, mais de 95 cientistas de instituições nacionais e internacionais assinaram um artigo de opinião na revista "Nature" a respeito da necessidade de investimentos em pesquisa, monitoramento do solo e novas fontes de energia renováveis. Do contrário, futuras crises hídricas poderão comprometer a segurança alimentar do país e encarecer ainda mais o valor da energia.

É para esse cenário que caminhamos se – ou muito provavelmente, quando – a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico entrar em colapso novamente. Responsáveis pela distribuição de calor entre os hemisférios norte e sul, essas correntes influenciam diretamente as chuvas de verão na América do Sul. Dada a marcante redução na intensidade dessas correntes, a possibilidade de colapso ainda neste século não é fantasiosa.

"O oceano e a atmosfera controlam o clima do continente. Essa relação equilibrada nos garante o verão chuvoso e o inverno seco, como estamos acostumados", explica Mendes. "Uma mudança drástica no regime de chuvas pode causar um caos social, impactando a agricultura, a produção de energia e o abastecimento de água em grandes cidades."

Registros geológicos de milhares de anos revelam que há cerca de 13 mil e 18 mil anos existiram dois momentos em que essas mesmas correntes pararam. Essas informações estão guardadas no que o geólogo chama de "Diário da Terra": testemunhos marinhos removidos a mais de mil metros de profundidade para coletar sedimentos que armazenam registros tanto de variações do mar quanto do continente. "Por meio de camadas de sedimentos depositadas continuamente ao longo do tempo, conhecemos, com uma precisão enorme, as variações no volume de chuva e na temperatura do oceano de milhares de anos atrás", diz o pesquisador. "Sabendo das consequências geradas pelo colapso dessas correntes no ciclo de chuvas do passado, podemos alimentar modelos climáticos computacionais e gerar melhores previsões para o futuro."

O objetivo é construir um mapa de chuvas na América do Sul nesses dois períodos e, assim, fazer uma analogia com o futuro, caso essas correntes parem de novo. "A chuva vai aumentar ou diminuir? Depende. Em alguns lugares os reservatórios podem secar, enquanto em outros podem transbordar. Vemos hoje a expansão da agricultura em regiões que podem estar significativamente mais secas em poucas décadas, por isso precisamos de planejamento", justifica Mendes.

O método empregado no projeto é inovador e promete mudar a forma como a área investiga esses registros históricos. A nova metodologia para medir variações de precipitação em um testemunho marinho é baseada na luminescência, a capacidade que alguns materiais possuem de emitir luz quando estimulados. Essa ferramenta permite medir características dos grãos de quartzo que contam a sua história no continente, como o tempo que ficaram soterrados. Uma vez que as chuvas e os rios levam esses grãos para o oceano, sua história está diretamente relacionada às variações das chuvas.

Esse método tem mostrado algumas vantagens em relação aos já existentes: é relativamente simples e barato, e ao que tudo indica mais sensível às variações das chuvas. "Em estudos sobre o clima do passado, quanto mais técnicas utilizarmos, melhor. Vale lembrar que não se trata de substituir o que já existe, mas complementar com novas informações." Para garantir que o projeto chegue a resultados mais exatos, os mesmos testemunhos são também analisados com metodologias já bem estabelecidas, como a técnica que usa isótopos de hidrogênio recuperados de matéria orgânica vinda do continente – de restos de folhas, por exemplo.

"A ciência não precisa ser necessariamente disruptiva e trazer uma pergunta que nunca foi feita. Existem perguntas importantes que ainda não foram respondidas", conclui o cientista.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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