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O relógio das paisagens cai do céu

Um grão de areia acumula pedacinhos do universo a todo momento

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Pedro Val

Esperar que a resposta caia do céu não é uma recomendação que combine com ciência. Porém, quando se trata de calcular a idade de paisagens, o que cai do céu, mais do que recomendável, é indispensável. Estou me referindo aos raios cósmicos.

Enquanto você lê esse texto, agora, raios cósmicos estão atravessando seu corpo, sua tela, sua mesa, ou seja, tudo à sua volta. Esses mesmos raios também penetram cristais minerais, e isso acarretou uma revolução nos estudos da evolução da superfície da Terra nos últimos 30 anos.

Arte ilustra três lhamas permeadas por vários cristais
Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

Você já se perguntou há quanto tempo uma determinada beleza natural existe? Por exemplo, há quanto tempo a Chapada Diamantina existe? E o Dedo de Deus? Ou o Pão de Açúcar? Até a década de 90, responder a essas perguntas pareceria uma tarefa quase impossível. Aqui, nesse texto que publiquei em 2021, eu descrevi uma maneira simplificada de estimar esse cálculo, mas temos uma técnica precisa, cujo elemento-chave está contido na estrutura cristalina de alguns minerais, como grãos de quartzo, que são expostos ao céu.

Os raios cósmicos que alcançam a atmosfera geram uma cascata de raios secundários (os que nos atravessam) que, chegando à superfície da Terra, nela penetram e reagem com os átomos formadores dos minerais. A reação produz outros elementos, chamados isótopos cosmogênicos, que se acumulam ano após ano, registrando o tempo a que estão expostos ao céu. Como uma espécie de contador cósmico, o quartzo é o principal mineral que guarda o relógio das paisagens. Esta técnica foi introduzida pelo geofísico indiano Devendra Lal em 1991, porém tem raízes em 1912, com um voo de balão.

Há 110 anos, o físico Victor Hess, nascido na Áustria, empreendeu diversos voos a bordo de seu balão, chegando a uma altura de 5 km. Nestes voos, Hess descobriu que, à medida que subia, mais radiação nossa atmosfera recebia, mesmo durante um eclipse solar. A conclusão de sua pesquisa foi certeira: a radiação só poderia vir do espaço e não do interior da Terra ou do Sol, contrariando o que se imaginava até então. A radiação que Hess descobriu foi depois atribuída aos raios cósmicos, que são partículas subatômicas que bombardeiam nossa atmosfera a todo momento a velocidades próximas à da luz, uma descoberta que lhe rendeu um prêmio Nobel em 1936.

Os raios cósmicos são especiais: eles são frutos da explosão de estrelas supernovas, ou seja, da "morte" de estrelas e buracos negros universo afora. Ao explodirem, as estrelas ejetam todos os átomos desintegrados em partículas subatômicas (prótons, nêutrons, elétrons etc). Essas partículas se deslocam pelo universo a velocidades próximas à da luz e, eventualmente, vão parar dentro de um mineral aqui na Terra.

É fascinante imaginar que, dentro de cada grão de areia que vemos no chão, há um pedacinho infinitamente pequeno de alguma estrela do universo. O que diria Hess ao saber que a evidência do que ele buscava no céu estava sob seus pés?

Voltando ao relógio das paisagens. Essa técnica permitiu estabelecer idades para algumas das superfícies mais antigas da Terra e revelou que temperaturas extremas são ótimas para preservar as paisagens. Por exemplo, os níveis de isótopos cosmogênicos medidos em cascalhos no Atacama revelaram que a superfície desse deserto tem pelo menos 9 milhões de anos. Na Antártica, superfícies preservadas no topo de montanhas chegam a 18 milhões de anos. Se essas superfícies possuem idades tão antigas, isso significa que elas passaram todo esse tempo sem modificação, ou seja, nem um centímetro de profundidade foi removido delas. São verdadeiras paisagens fósseis, preservadas no tempo.

Será que temos, no Brasil, superfícies fósseis tão antigas quanto as do Atacama ou da Antártica? Não sabemos por enquanto, mas algumas paisagens brasileiras possuem alguns dos ingredientes necessários para que isto seja possível. Precisamos de mais estudos para descobrir.

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Pedro Val é geólogo e professor na Queens College, City University of New York.

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