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Descrição de chapéu câncer

Como a computação pode ajudar no combate à metástase

Edroaldo Rocha usa sistemas computacionais para entender a reincidência do câncer

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Murilo Bomfim

Um diagnóstico de câncer impõe vários desafios ao paciente. Um deles surge mesmo após um tratamento bem-sucedido: conviver com a possibilidade que o câncer volte em outros órgãos, um processo conhecido como metástase, quando um tumor primário dá origem a um outro. O fenômeno preocupa médicos e pacientes, principalmente pelo que se desconhece a respeito dele. Até o momento, não há como prever se, quando, onde e com que intensidade um câncer pode reincidir.

O que se sabe é que a medula óssea tem papel fundamental na formação de novos tumores. Quando um câncer é tratado, nem todas as suas células são eliminadas. Algumas migram para o interior da medula, onde encontram um ambiente que as blinda dos tratamentos oncológicos atuais. Elas permanecem em estado de dormência por tempo indeterminado (há casos de 20 anos), até serem reativadas, desencadeando um novo tumor em um ou mais órgãos.

Arte ilustra o interior de um corpo humano; os órgãos formam uma espécie de jogo Pac-man
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Entender as dinâmicas celulares na medula é tarefa da ciência, sem dúvida. No Brasil, um dos nomes da pesquisa sobre o tema é um cientista… da computação. Em 2004, quando Edroaldo Lummertz da Rocha ingressou na Universidade do Extremo Sul Catarinense, suas intenções passavam longe de estudos aprofundados sobre o fenômeno. Ao longo da graduação, uma oportunidade de iniciação científica o aproximou da área, mas foi a perda de duas pessoas próximas que motivou o estudante de forma mais significativa.

Um amigo de faculdade havia sido diagnosticado com câncer. "Acompanhei boa parte do tratamento dele, conversávamos muito sobre a falta de conhecimento mais aprofundado que a ciência tinha sobre a doença", diz Rocha. Anos depois, já no doutorado, o cientista perdeu um tio. "Àquela altura, minha carreira já estava inclinada para a oncologia, mas a partida do meu tio me deu ainda mais segurança sobre qual caminho tomar."

Rocha bebeu de diversas fontes para desbravar os mistérios da patologia. Após concluir a formação em ciência da computação, ele fez mestrado em engenharia elétrica e doutorado em engenharia de materiais pela Universidade Federal de Santa Catarina. A ideia era aperfeiçoar medicamentos para tratar o câncer: se um nanomaterial fosse acoplado a um fármaco, seria possível guiar a medicação até as células cancerígenas, preservando os tecidos saudáveis e reduzindo drasticamente os efeitos colaterais. O desenvolvimento desse nanomaterial avançou no doutorado sanduíche do pesquisador, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, quando seus estudos renderam uma tese sobre as interações entre nanomateriais e células — trabalho merecedor de dois prêmios da Capes.

Programas de pós-doutorado na Escola de Medicina de Harvard e no Hospital Infantil de Boston levaram Rocha a seu atual tema de estudo. Sediados na Universidade Federal de Santa Catarina, o cientista e sua equipe se perguntam por que, afinal, a metástase acontece. O principal gargalo é entender como ocorre o processo de dormência das células cancerígenas dentro da medula óssea, e sobretudo como essas células são reativadas para gerar metástases. Para tanto, o grupo investe na criação de sistemas computacionais que permitem a análise de uma grande quantidade de dados acerca do comportamento das células — uma abordagem da biologia de sistemas.

Otimista quanto às possibilidades terapêuticas que podem derivar dessa pesquisa, por ora Rocha enxerga pelo menos duas estratégias. A análise de células-tronco sanguíneas na circulação é uma delas; nesse caso, um exame de sangue poderá prever a formação de novos tumores. O outro caminho é criar um fármaco que atinja as células tumorais dormentes, superando o ambiente blindado da medula. Neste caso, seria possível eliminar as células que dariam origem a novos tumores — algo como cortar o mal pela raiz. O pesquisador acredita que, em no máximo cinco anos, esses mecanismos estarão, ao menos em parte, elucidados, abrindo caminho para novas terapias.

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Murilo Bomfim é jornalista.

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