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O desafio de usar modelos para pesquisar o Alzheimer

Grupo do neurocientista da UFRGS Eduardo Zimmer usou a biologia de sistemas para avaliar se os modelos atuais são eficazes no estudo da doença - e a resposta é positiva

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Pedro Lira

No Brasil, 1,7 milhão de pessoas com 60 anos ou mais têm algum tipo de demência. Só a doença de Alzheimer corresponde a 55% dos casos, segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer. A demanda por novos tratamentos incita a ciência a lançar diferentes estratégias de investigação.

O grupo de pesquisa liderado pelo neurocientista Eduardo Zimmer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, está mais perto de compreender melhor a doença: em um artigo publicado em janeiro na revista iScience, os cientistas analisaram modelos animais - camundongos, neste caso específico - usados atualmente para estudar o Alzheimer, e checaram se eles de fato representam bem como a doença se manifesta em humanos. E a resposta é positiva: a similaridade entre o modelo do tipo mais comum do Alzheimer foi de 92% com sua manifestação humana.

arte ilustra duas mulheres e alguns recortes à frente delas
Ilustração: Clarice Wenzel - Instituto Serrapilheira

Antes de mais nada, é importante entender um fator que complexifica esse cenário: existem dois tipos de Alzheimer. Um é o esporádico, que representa cerca de 95% dos casos e costuma acometer pessoas com mais de 65 anos, sendo multifatorial, ou seja, uma combinação entre eventos ambientais e genéticos. O outro é o Alzheimer genético, retrato de apenas 5% dos casos e com quase 100% de penetrância, ou seja, se a pessoa tem alguma alteração nos genes APP, PSEN1 e PSEN2, ela vai desenvolver a doença, em geral por volta dos 40 anos.

Uma das principais estratégias para investigar essa condição são os modelos que mimetizam em animais os efeitos da doença no cérebro humano. Modelos científicos, vale dizer, são representações físicas e/ou matemáticas de um contexto, evento, processo ou sistema de ideia de interesse com o objetivo de emular uma situação real (como uma doença) em uma situação simplificada e controlável. Existem diversos tipos de modelos científicos, e modelos animais utilizando camundongos são apenas um exemplo.

A partir dos conhecimentos sobre o Alzheimer genético, que é mais simples de predizer, pesquisadores desenvolveram há algumas décadas os principais modelos usados na área. A lógica é: se pessoas com tais alterações genéticas vão desenvolver o Alzheimer, roedores geneticamente modificados com as mesmas alterações também desenvolvem os sintomas, como falha de memória, depósitos de beta-amiloide – o acúmulo dessa proteína entre os neurônios impede a transmissão de sinais, prejudicando a atividade neural –, e outros.

Esses modelos, no entanto, vêm sofrendo questionamentos por parte da comunidade científica. Isso porque esses estudos se resumem às especificidades de apenas um tipo de Alzheimer, justo o genético, que representa apenas 5% dos pacientes diagnosticados. Na outra ponta, o esporádico acomete a maior parte da população e tem outras camadas de complexidades, como fatores comportamentais e ambientais.

Essa questão abriu as portas para uma busca por novos modelos. Em 2016 formou-se um consórcio de centros de pesquisa — o MODEL-AD — financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde, uma agência governamental dos EUA, com o objetivo de desenvolver diferentes modelos que mimetizam de maneira mais fidedigna a doença esporádica. Por exemplo, em vez de inserir no animal a mutação humana que causa o depósito de placas de beta-amiloide, o MODEL-AD "humaniza" o gene da proteína beta-amiloide sem adicionar uma mutação associada ao Alzheimer genético. Ou seja: os pesquisadores apenas alteram o gene APP para que ele decodifique uma proteína parecida com a humana. Assim, são introduzidos nos animais fatores de risco modificáveis, como obesidade, pressão alta e outros, e genéticos, tornando possível observar como a doença se desenvolve, tal qual ocorreria no cérebro humano.

Esta estratégia tem revolucionado os estudos do Alzheimer porque possibilita a criação de modelos justamente da doença esporádica, que afeta a maior parte dos doentes. Mas em que medida esses modelos são similares, no nível molecular, da doença humana?

Foi essa questão que motivou Eduardo Zimmer, bioquímico e professor no Departamento de Farmacologia da UFRGS, a investigar o tema. Utilizando sequenciamento genético de nova geração, o neurocientista e seu grupo de pesquisa coletaram cérebros post mortem de pacientes com Alzheimer e de modelos animais, e avaliaram as similaridades e diferenças entre eles. O artigo publicado na revista iScience traz os resultados dessa comparação entre espécies.

Inicialmente, descobriu-se que a similaridade era tênue. O modelo esporádico apresentava apenas 9% de similaridade com a doença em cérebros humanos, porcentagem muito distante do esperado por pesquisadores que há décadas vêm desenvolvendo fármacos e terapias baseados nesse padrão. "Quando vimos que os modelos animais não estavam mimetizando a doença, percebemos que isso causaria grande confusão na literatura", diz Zimmer.

Sabendo disso, os pesquisadores tiveram outra ideia. Segundo os princípios da biologia de sistemas, subárea desse campo do conhecimento, os genes agem de forma orquestrada para participar de diferentes processos biológicos. "Tudo na natureza funciona em redes", explica Marco Antônio De Bastiani, pós-doutorando do grupo, que também assina o artigo. Isso significa que analisar os processos biológicos seria melhor do que analisar um gene isolado.

"Então fizemos os mesmos testes, mas analisando os processos biológicos envolvidos, como a neuroinflamação", continua De Bastiani. "Em termos funcionais, um grupo de genes associados ao metabolismo energético cerebral vai ser muito similar entre humanos e roedores, mesmo que os genes por si só não sejam idênticos."

A partir dessa nova perspectiva, os números de similaridade subiram muito. O modelo da doença esporádica teve similaridade de 92% com a doença de Alzheimer humana. Focando apenas no gene, os modelos são ruins, mas analisando processos biológicos, eles são ótimos. "Ou seja: o modelo mostra que 92% dos processos biológicos alterados no Alzheimer humano estão alterados naquele modelo roedor também. Então ele serve para investigar diferentes aspectos da doença", explica Zimmer.

Ele costuma citar o estatístico britânico George Box, que dizia que "todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis". "Como sempre precisamos simplificar o conhecimento biológico para fazer modelos, eles de fato quase nunca estão certos, mas ainda assim são fundamentais para entendermos questões da natureza", diz Zimmer. "Por isso a busca por novos modelos de Alzheimer é importante, mas também é animador ver como os que temos atualmente podem ser muito eficazes", conclui.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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