Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

Copa sem cerveja, sem bacon e sem beijos

Prazer e diversão são incompatíveis com a lei islâmica draconiana imposta pela ditadura no Qatar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A proibição da venda de cerveja nos estádios da Copa do Mundo, no Qatar, pegou a Fifa de calças curtas –mas é bom ela tratar de cobrir rápido os joelhos, pois a exposição das pernas é algo indecente pelas leis locais.

Na véspera do anúncio da lei seca, a Folha já havia publicado um texto sobre o perrengue que é molhar a garganta no país-sede do mundial de futebol, uma monarquia absolutista islâmica.

Esforço de reportagem e de autoajuda: nas Copas, as equipes estrangeiras de jornalistas formam uma comunidade mais ou menos coesa que busca, como todos os outros visitantes, diversão quando o expediente acaba. E diversão, na cultura do futebol, quase sempre envolve tomar umas cervejas.

Quiosques de venda de cerveja num estádio em Doha, Catar.
Quiosques de venda de cerveja num estádio em Doha, Catar. Por decisão da monarquia local, só vai ser liberada a cerveja sem álcool - Miguel Medina/AFP

O veto à cerveja fez estardalhaço porque envolve um contrato de US$ 75 milhões com a Budweiser, mas não é a única restrição comportamental –e está longe de ser a mais cruel.

É vetado o consumo de carne suína, por exemplo. Bacon, presunto e linguiça não fazem parte da dieta do Oriente Médio –o porco é considerado imundo tanto pelo islamismo quanto pelo judaísmo.

Na Copa do Qatar as delegações estrangeiras estão proibidas de incluir carne de porco na alimentação de jogadores e comissão técnica.

A norma draconiana impacta em especial a equipe espanhola. "Para torneios longos, os cozinheiros da Roja costumam embarcar uma centena de presuntos de alta qualidade, o jamón ibérico de bellota", diz um artigo do jornal italiano Gazzetta dello Sport.

Já o diário espanhol Marca fala de um manual, expedido pela embaixada alemã em Doha, que alerta os concidadãos do risco de camuflar salsichas e salsichões na bagagem da Copa.

Proibir salsicha, cerveja e cigarro eletrônico (sim!) chega a ser folclórico perto do rigor com o vestuário e as manifestações públicas de afeto, como beijos, em especial entre pessoas do mesmo sexo –a homossexualidade é crime no Qatar.

A monarquia qatari se comprometeu a relaxar essas regras para os turistas do futebol. Vale lembrar que ela também se comprometeu a liberar a venda de cerveja nos estádios –e mandou pras cucuias o compromisso.

Porque o Qatar é uma ditadura. Ditaduras só têm compromisso consigo mesmas.

A última Copa jogada sob uma ditadura foi a da Argentina, em 1978. Coincidentemente, a primeira de que eu me lembro de alguns jogos.

Apesar da pressão internacional, a Fifa insistiu na disputa do torneio, usado politicamente pelos militares sob o comando do sanguinário Jorge Rafael Videla.

A seleção argentina precisava ganhar do Peru por pelo menos quatro gols para passar à final. Venceu por 6 a 0 num jogo em que o adversário claramente fez corpo mole. As acusações de corrupção ficaram por isso mesmo, e o time dos ditadores foi campeão.

Difícil haver marmelada capaz de levar o time do Qatar para além da fase de grupos. Mas vá saber o que nos reserva uma Copa que já começa toda errada. Futebol, tirania e corrupção são três caixinhas de surpresa.

(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Acompanhe os posts do Instagram e do Twitter.)

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.