Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Cliente brasileiro não quer garçons, exige criados

Na Europa, uma só pessoa atende os ricos no restaurante; no Brasil, há uma brigada para repor a pizza da classe média

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Londres

A jovem Laurène é sommelière no restaurante La Bastide, em Bonnieux, no sul da França. O restaurante, dentro de um hotel de luxo na Provence, conta com uma estrela no guia Michelin. Serve apenas menu-degustação.

Foi Laurène quem fez todo o serviço de mesa na noite em que jantei na Bastide. Não apenas a minha mesa, mas todas as mesas ocupadas. Eram três mesas. Acha pouco?

Ela explicava a comida e o vinho, perguntava se estava tudo bem, trazia os pratos cheios e levava de volta os pratos vazios. Não parou um segundo, pois cada grupo recebeu dez serviços com os vinhos correspondentes.

garçom segura pizza
Ao garçom, não basta deixar a pizza na mesa: ele precisa repor as fatias sempre que alguém termina de comer - KamranAydinov on Freepik

Tudo funcionou em sincronia perfeita. No final do turno, dois colegas deixaram seus postos na cozinha para ajudar Laurène a terminar o atendimento –e adiantar a vida para todo mundo ir para casa mais rápido.

Um jantar nesse restaurante custa 175 euros (270 euros, se harmonizado com as bebidas escolhidas pela Laurène). Os abastados pagantes –eu não era um deles– plenamente satisfeitos com o atendimento de uma pessoa só.

Enquanto isso, no Brasil, a gente exige um criado à disposição da mesa até nos lugares mais chulés. Digo "a gente" porque me incluo nesse comportamento. É algo que a classe média brasileira faz como se fosse natural.

O restaurante jamaicano Healthy Eaters, em Londres, não é chulé. Longe disso. É um lugar ajeitadinho, mas simples, que serve deliciosa comida caribenha no bairro de Brixton.

Fui lá com família e amigos num sábado qualquer. Havia cardápios sobre a mesa. Uma adorável senhora, única pessoa atrás do balcão, só se aproximou de nós quando viu que já tivemos tempo de ler o menu.

"Querem pedir?", disse.

"Quatro cervejas, por favor", respondi.

Mas a mulher não arredou pé da nossa mesa. Depois de alguns segundos, ela rompeu o silêncio constrangedor: "E para comer?".

Se fosse no Brasil, beberíamos uma ou duas rodadas antes de pensar no almoço em si. Na Inglaterra não. Ou pede tudo de uma vez porque sabe que o garçom –ou qualquer outra pessoa responsável pelo atendimento– tem mais o que fazer.

É assim também nos Estados Unidos, na Europa e em todos os países do tal do Primeiro Mundo. No Brasil é diferente.

Pegue uma pizzaria de São Paulo numa noite de domingo.

Chega um casal, que se aboleta numa mesa para dez pessoas, e manda ver dois chopes. Aí o resto da família vai chegando a conta-gotas, num processo que demora meia hora ou mais. Cada ponta da mesa pede bebidas em seu tempo próprio.

Finalmente resolvem chamar as pizzas, que o funcionário do restaurante deixa num aparador fora do alcance dos clientes. Toda vez que alguém termina de comer um pedaço, o santo garçom precisa estar por perto para repor a pizza. É insano.

Por que é assim? Tenho meu palpite.

Tem a ver com o jeito que os donos da grana inventaram para manter uma mínima estabilidade na nossa sociedade zoada. Para que os remediados e instruídos não se unam com a massa e ponham fogo na coisa toda.

Os ricos permitem às camadas médias a manutenção de alguns privilégios que, em outros países, só o topo da nata da elite consegue bancar: empregada doméstica, uns peões para pintar parede e trocar lâmpada queimada, duas (três, quatro) vagas de garagem, plano de saúde com internação em apartamento.

E um criado ao pé da mesa para buscar mais gelo para a Coca-Cola ao estalar dos dedos.

Entre uma vida bacana para todo mundo e as migalhas que caem do bolso dos donos da grana, já fizemos a nossa escolha.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.