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Casa do Porco ou cracolândia: quem ganha a batalha pelo centro de SP?

Ataques ao Bar Brahma e ao McDonald's sinalizam que pode não haver retrocesso no abandono da região central

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São Paulo

Minha mãe chamava o centro de São Paulo de "a cidade". A metrópole já era um monstro de grande na década de 1970, mas persistia na fala dos paulistanos a noção de uma cidade separada dos bairros por áreas baldias.

Eu pegava o "elétrico" (trólebus) para ir à cidade com a mãe pelo menos duas vezes na semana. Ela era fanática por garimpar descontos e liquidações, e o centro concentrava tais barganhas.

Comíamos o sanduíche de linguiça da Casa Califórnia, na rua São Bento. Quando era para almoçar de verdade, a velha me levava ao Churrasqueto, que até hoje está na 24 de Maio.

Fila de clientes para entrar ou pegar senha no restaurante Casa do Porco, no centro de São Paulo
Fila de clientes para entrar ou pegar senha no restaurante Casa do Porco, no centro de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

O centro experimentava uma decadência que só viria a acelerar. Era imundo e caótico. Os adultos se queixavam dos "trombadinhas", como eram chamados os menores batedores de carteira.

Na década seguinte, passava minhas tardes no centro atrás de discos, partituras e coisas para guitarra. Nos anos 90, comecei a trabalhar no Notícias Populares, no prédio da Folha, na alameda Barão de Limeira.

Acompanhei a coisa toda porque sou velhusco. O declínio da região central seguia o curso esperado, a degeneração gradual e um tanto cruel da antiga cidade dos barões do café. Até que algo novo aconteceu.

A cracolândia surgiu e cresceu na velocidade de um tumor agressivo, degringolando de vez o que restara do centro. Pulamos alguns anos para chegar ao estágio atual.

Os ataques de domingo (3/12) e segunda-feira (4), respectivamente ao Bar Brahma e ao McDonald’s da avenida Ipiranga, podem ser as primeiras investidas de uma batalha apocalíptica que vai definir o destino do centro de São Paulo por muitas décadas adiante.

Não interessa se os autores são uma gangue de roubo de celulares, os cracudos habituais ou entregadores revoltados. Seja quem for, há o risco iminente de chegarmos –se é que ainda não chegamos– a um ponto em que não há retrocesso possível para o abandono do centro paulistano.

Sem paixão alguma pelos alvos dos ataques (o Brahma é a carcaça zumbi de um bar que deveria ter fechado há 30 anos), é impossível não ver a carga simbólica dos atos. A avenida Ipiranga, a esquina com a São João, o lugar que Caetano Veloso tornou instagramável antes de haver Instagram.

Será que os turistas continuarão a cair no golpe? Ruim com eles, pior sem eles.

Desde que o centro entrou em queda livre, há tentativas de reação de inegável sucesso. Morar no Copan virou cool, e algumas áreas foram retomadas: Santa Cecília, parte da República e parte da Vila Buarque. Luz, Sé e Santa Ifigênia, por sua vez, têm status de casos perdidos.

No que diz respeito a restaurantes e bares, há uma geração pós-cracolândia que segura uma barra e tanto no centro: Cuia, Divina Increnca, Bia Hoi, Escarcéu, Z-Deli, Cora, Regô.

Dentro desse grupo, lidera a resistência o enclave dos chefs Janaína Torres Rueda e Jefferson Rueda, em especial a Casa do Porco –se você acredita em premiações, é o melhor e mais importante restaurante de São Paulo.

Não dá para confiar que a Casa do Porco, sozinha, vá conter a destruição do centro e a metástase para os vibrantes Bom Retiro, Barra Funda e Liberdade,

O poder público, que deixou acontecer o que está acontecendo, permanece imobilizado. As eleições municipais –nelas você pode votar pela mudança dessa política de abandono– ocorrem daqui a menos de um ano,

Será que a cidade aguenta todo esse tempo?

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