Cozinha Bruta

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Descrição de chapéu indígenas

Causa mortis: acidente com fondue

Tragédia da jovem indígena, vítima de explosão na própria formatura, mostra o quanto estamos à mercê do imponderável

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São Paulo

"Indígena tem 30% do corpo queimado após acidente com fondue em restaurante no RS". Meus olhos saltaram da órbita ao ler este título no site da Folha, na segunda-feira, 11 de março.

Como assim? O que aconteceu aí?

O título, é bom frisar logo de cara, não tem nada de sensacionalista. Não é caça-cliques.

Mulher indígena levanta canudo de diploma. Ela usa uma beca preta e cocar com penas brancas, azul e vermelha na cabeça
Indígena kaingang Jaqueline Tedesco, em ensaio para a formatura de direito na Furg - Jaqueline Tedesco no Instagram

Ele descreve objetivamente a tragédia que se abateu sobre a jovem Jaqueline Tedesco, da etnia kaingang, quarta pessoa indígena a se formar em direito pela Universidade Federal de Rio Grande, no litoral gaúcho.

A tragédia tornou-se ainda maior nesta sexta-feira, quando foi anunciada a morte de Jaqueline. De novo, a perplexidade: como uma coisa dessas pôde acontecer?

No sábado (9), Jaqueline comemorava a formatura com colegas, amigos e familiares. Apesar de estarmos no verão, escolheu-se um restaurante especializado em fondue.

No fondue, como se sabe, a fonte de calor é uma espiriteira, pequeno fogareiro a álcool.

Em dado momento, a chama feneceu. Era preciso reabastecer a espiriteira. Um procedimento absolutamente banal num restaurante de fondue.

Foi nessa manobra, feita por uma garçonete, que a garrafa de álcool explodiu e provocou ferimentos mortais em Jaqueline.

Todas as responsabilidades têm de ser apuradas mas, a despeito disso, o episódio é uma amostra crua da nossa impotência ante à aleatoriedade da existência.

Em hipótese alguma Jaqueline poderia imaginar que aquele fondue viria a ser seu último jantar. Quem morre num restaurante? Quantas vezes o tal réchaud foi abastecido sem problema algum?

Acontece que acidentes acontecem.

Houve, muitos anos atrás, um acidente a que dei pouca ou quase nenhuma importância.

No casamento de um amigo, uma convidada se engasgou com um pedaço de comida. Não conseguia falar ou gritar, apenas fazia gestos difíceis de entender.

Outro amigo percebeu o que se passava e tascou um safanão nas costas da moça. Ela cuspiu a comida, recompôs-se, e a festa prosseguiu noite adentro, com risadas e muitos litros de cerveja.

Algum tempo mais tarde, fiquei apaixonado pela menina que se engasgou.

Se as coisas tomassem outro caminho naquela festa, não sei o que seria da minha vida agora. Se ela se engasgasse sozinha, longe dos outros convidados, talvez meu filho mais novo não existisse.

Nem eu nem você nem ninguém temos controle sobre coisa alguma. Isso apavora, mas ao mesmo tempo é libertador. Significa que a preocupação é um tormento inútil.

Sonhe e faça planos. Tenha em mente, entretanto, que o seu futuro depende menos das suas próprias decisões do que das decisões alheias e seus desdobramentos, além de eventos de todo imponderáveis. Como, por exemplo, uma pandemia ou um raio que despenca do céu.

Você aí, ralando no escritório para pagar os boletos, talvez se torne diretor da empresa no próximo ano. Ou talvez, já na semana que vem, esteja entrevado numa cama de hospital.

Depende muito pouco de você. Então relaxe, que dói menos.

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