Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Quem tem coragem de abrir um restaurante no centro de SP?

Não bastassem a explosão da cracolândia e o descaso das autoridades, setor sofre com colapso no fornecimento de luz

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Comecemos pela notícia boa. Boa, não: espetacular.

Janaína Torres (ex-Rueda), eleita a melhor chef do mundo, é cria do centro de São Paulo. Mora e trabalha na região, onde comanda três restaurantes, uma lanchonete e uma sorveteria.

Ela e o sócio Jefferson Rueda foram fundamentais para uma retomada parcial do centro, largado ao deus-dará desde que me conheço por gente.

Salão escuro, velas apoiadas em pratos em um aparador de vidro, que está em cima de bandejas com comida; ao fundo é possível ver garrafas de um bar e uma janela iluminada, mostrando que é dia
Restaurante por quilo no edifício Copan, no centro de São Paulo, serve almoço à luz de velas durante apagão - Folhapress

Quando abriu o Bar da Dona Onça, em 2008, Janaina fez uma aposta arriscadíssima –são as que pagam mais, dada a enorme chance que o apostador tem de se estrepar. Ganhou e incentivou uma galera a fazer o mesmo.

Desde então, o edifício Copan virou hype. Partes da República e da Vila Buarque foram tomadas de restaurantes e bares cheios de gente cheirosa de conta bancária polpuda. As vizinhas Santa Cecília e Barra Funda tornaram-se polos de botecagem.

Parecia que o centro iria finalmente decolar, como ocorreu com áreas revitalizadas de várias cidades do mundo rico.

Decolou, mas foi voo de galinha. Os problemas crônicos do centro –má conservação, sujeira, falta de segurança– se agravaram. Abrir um negócio por lá segue tão arriscado quanto antes.

Você teria coragem de investir sua grana em um restaurante no centro de São Paulo? Eu, se tivesse (grana), não teria (coragem).

Não bastassem o espalhamento da cracolândia e a absoluta incompetência das autoridades em tornar a região habitável, vêm as companhias de luz e/ou de água atuar ativamente para o caos.

Num incidente que ainda carece de explicação plausível, a região sofre um colapso no fornecimento de energia elétrica desde segunda-feira (18). Na tarde de sexta (22), o problema ainda não havia sido resolvido pela Enel.

A concessionária tratou de empurrar a bucha para a Sabesp. Disse que uma escavação da empresa de água rompeu a fiação subterrânea do centro; a Sabesp devolveu o pepino e disse que não tem nada a ver com a coisa.

No frigir dos ovos, ninguém assume o abacaxi. O prefeito demorou dois dias para soltar uma protocolar nota de repúdio. O governador está ocupado demais em Israel, bajulando o genocida Benjamin Netanyahu.

Enquanto isso, no centro da cidade, restaurantes e bares entubam um prejuízo gigantesco. Além dos dias sem poder abrir, o estoque de perecíveis foi pro beleléu com as geladeiras desligadas.

Vitor Pires, do restaurante O Mirandês, em Santa Cecília, fez um longo e sentido vídeo protestando contra a situação. Lierson Mattenhauer Jr, do bar Xepa, na Vila Buarque, radicalizou total.

Sem condições de trabalhar na cozinha, ele decidiu assar carne numa churrasqueira montada na rua. Veio a tempestade e apagou sua brasa.

Vitor, Lierson, Janaína e vários outros –Rômulo, Thiago, Edu, Olivier, Julio, Pablo etc. etc.– resistem porque são apaixonados pelo centro. Ocorre que paixões morrem de cansaço.

Quando, cansados, todos forem embora, sobrará quem para apagar a luz?

Não, espera. Esquece. A Enel já cuidou disso.

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