Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

A multiplicação dos pães

Em meio à especulação imobiliária e à invasão do Oxxo, padarias artesanais brotam feito mato em Perdizes

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São Paulo

Nem tudo em São Paulo é Oxxo.

Meu canto de Perdizes passa por uma transformação radical às vésperas da chegada do metrô à rua Cardoso de Almeida.

Além dos Oxxos, brotam torres de studios, lofts e outros apartamentos instagramáveis, construídos para virar Airbnb ou casa de estudante rico da PUC. Há ainda os prédios que já vêm com uma loja do Oxxo no térreo.

Croissants da padaria Na Janela, que transferiu a produção para a rua Traipu, em Perdizes
Croissants da padaria Na Janela, que transferiu a produção para a rua Traipu, em Perdizes - Zanone Fraissat/Folhapress

Paralelamente, proliferam as padarias artesanais. Nos últimos três anos, abriram cinco delas numa área de cinco ou seis quadras, com a minha casa bem no meio. A sexta padaria está finalizando as obras para a inauguração.

Dá uma padaria artesanal por quadra, um assombro.

Quando mudei para o bairro, mais de 20 anos atrás, aqui era um deserto de pães.

Tínhamos algumas daquelas padarias paulistanas à moda antiga, com doces na vitrine e sanduíches de metro e a chapa ligada da abertura ao fechamento. Algumas ainda funcionam, o que é bacana para o rolê social, mas em matéria de pão deixam muito a desejar.

Fomos, por anos e anos, reféns do pão de supermercado. É cômodo, porque está no mesmo lugar do detergente e do fardo de cerveja. Tem qualidade constante, pois afinal já chegam amassados e moldados de uma fábrica –à loja cabe apenas assá-los.

Então São Paulo entrou na onda das padarias artesanais, fermentação natural etc. etc. Por algum motivo, este lado de Perdizes foi totalmente ignorado pelo fenômeno.

Até a pandemia.

Não posso cravar, mas a febre do pão caseiro no isolamento da Covid deve ter algo a ver com a transformação que veio a partir de 2021.

Primeiro abriu a Benas, num pequeno imóvel –quase sempre é num pequeno imóvel – da Itapicuru. Depois veio a P.A.C., num trecho da Turiassu já um pouco distante da minha casa.

No ano seguinte, na mesma Turiassu, a Roberta e o André abriram a Santú. A casa está na minha rota para o parque da Água Branca, então comecei a frequentar.

Os doces são um esculacho –meu filho inventou um ritual que me obriga a lhe dar, toda quarta-feira de manhã, um folhado de creme com morangos.

Neste ano, a Virgínia e o Thiago montaram um ponto de venda para os pães que assam numa fábrica (adivinha onde?) na Turiassu, na quadra da minha casa.

A Turiá é tão pequena que nem os donos cabem confortavelmente lá dentro. A dupla colocou banquinhos na calçada, divididos com o Ricardo, meu barbeiro, vizinho de parede.

Sempre que desço para o Sacolão, eles estão por ali. Jogo um pouco de conversa fora e vou às compras.

O assunto, tanto na Turiá quanto na Santú, é a reforma que nunca acaba num sobrado da Monte Alegre. Sabe-se que será uma padaria e que os donos são de origem coreana. O resto é especulação.

Para engrossar o caldo, o Luiz Américo, superstar da panificação, trouxe a fábrica do Na Janela para a Traipu, pertinho de todas as outras. O mundo dos pães está em polvorosa em Perdizes.

É a vida em comunidade que resiste na cidade oxxificada. Quanto à gentrificação que isso representa (não que Perdizes já tenha sido um bairro popular), o tema merece um texto à parte.

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