Darwin e Deus

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Darwin e Deus - Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Ataque contra macacos por varíola é absurdo, dizem pesquisadores

Sociedade de primatologistas sugere mudança no nome usado para designar a doença

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Tenho evitado ao máximo usar o termo "varíola dos macacos" para me referir à doença emergente que tem afetado milhares de pessoas mundo afora, e não é por mero preciosismo, como o leitor poderá conferir em detalhes no comunicado abaixo. A falta de compreensão sobre as causas da doença, que não têm absolutamente nada a ver com os macacos, na verdade, tem levado a uma série de ataques contra os bichos no Brasil, um tipo de ação cruel e completamente inútil para evitar a epidemia.

Lesão parecida com espinha na mão do arquiteto Rodrigo, 39, que teve diagnóstico de varíola dos macacos ( Foto: Arquivo pessoal ) - Arquivo pessoal

Levando isso em conta, a Sociedade Brasileira de Primatologia produziu uma carta aberta explicando por que recomenda o uso do termo "nova varíola" para designar a moléstia ao menos temporariamente, enquanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) não chega a um consenso sobre uma nova designação. Uma coluna que escrevi anteriormente sobre o tema para esta Folha é citada no texto, o que me muito me honra. Assinam o comunicado o primatologista Gustavo Rodrigues Canale, presidente da instituição, e Flávio Guimarães da Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. Ambos são pesquisadores do mais alto gabarito, os quais já tive a honra de entrevistar algumas vezes. Encorajo os leitores do blog a ler a carta aberta e repassar as informações, que são muito relevantes e podem ajudar a preservar nossa combalida biodiversidade. A seguir, o texto.

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Mais uma vez os macacos brasileiros sofrem com as ações humanas desencadeadas pela falta de informação ou por informações equivocadas, a exemplo do que ocorreu entre os anos de 2015 a 2018, quando passamos pela pior epidemia de febre amarela silvestre já registrada no Brasil. Agora, no ano de 2022, a mesma ignorância volta a afligir. Frente ao surto da "Varíola dos Macacos", os primatas vêm sendo brutalmente castigados e mortos, por falta de informações corretas sobre a transmissão da doença, como noticiado recentemente pela imprensa.

Uma associação errada, equivocada e infundada faz com que o nome da doença e do vírus indique os macacos como origem desta cepa viral. Em nota anterior, a Sociedade Brasileira de Primatologia já havia esclarecido que o surgimento do vírus se deu a partir de roedores silvestres. No entanto, em 1958, na Dinamarca, alguns macacos de cativeiro foram infectados, o que levou a descoberta acidental do vírus a partir de amostras desses animais, fazendo com que a doença fosse nomeada como "monkeypox", traduzido para o português como "varíola dos macacos". Na verdade, nem mesmo na África, origem do vírus, os macacos têm importância no ciclo de transmissão da doença.

A injusta incriminação dos macacos fez com que alguns pesquisadores e jornalistas se solidarizassem com a causa, desencadeando um grande empenho para desmistificar os macacos como sendo os transmissores da varíola e apontando os roedores como os prováveis hospedeiros naturais do vírus na África, em conformidade com os achados científicos. Entretanto, sabemos que ter o nome "varíola dos macacos" vinculado à doença, mesmo que só em manchetes jornalísticas, vem gerando uma compreensão errônea por parte da população, levando a retaliações, perseguição, agressão e morte de primatas brasileiros.

Pesquisadores ao redor do mundo assinaram uma carta solicitando à Organização Mundial da Saúde (OMS) a modificação do nome da doença. Embora solidária ao pedido, a OMS ainda não indicou uma data para renomeá-la. Diante do exposto, e a fim de evitar um incremento de agressões contra os animais no país com a maior diversidade de primatas do mundo. Ressaltamos que cerca de uma em cada cinco espécies de primatas brasileiros estão ameaçadas de extinção.

Recomendamos fortemente que, enquanto a OMS não modificar oficialmente o nome "Varíola dos Macacos", a doença seja denominada provisoriamente em todos os veículos de comunicação de "Nova Varíola", termo cunhado pelo jornalista Reinaldo José Lopes, em seu artigo publicado no dia 06/08/2022 na Folha de São Paulo, mantendo o termo "Monkeypox" em textos técnico-científicos, como os boletins liberados pelo Ministério da Saúde, pois este termo é consagrado mundialmente e já utilizado pela OMS. Pelos motivos já expostos, também recomendamos fortemente que não se faça uso de imagem de primatas em notícias associadas a esta doença.

Para nós da Sociedade Brasileira de Primatologia, sociedade de mais de 40 anos de atuação que envolve professores, pesquisadores, cientistas e conservacionistas e que tem como principal missão a proteção dos primatas brasileiros, é inaceitável que esses animais sejam agredidos e mortos por conta de desinformação. Além de serem inofensivos, e importantes para o bom funcionamento dos nossos ecossistemas e da biodiversidade, os primatas desempenham o papel de sentinela, ou seja, quando acometidos por doenças, sinalizam com seu adoecimento e morte que uma enfermidade está circulando e, com isso, indicam a necessidade de executar ações de prevenção e controle, como por exemplo as campanhas de vacinação que trazem maior proteção para nós humanos.

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