Darwin e Deus

Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas

Darwin e Deus - Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu dinossauro

Fósseis de dinossauros não inspiraram mito do grifo, diz estudo

Elo entre monstros alados e dino asiático não bate com mineração na Antiguidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Algumas ideias realmente são simplesmente boas demais para serem verdade. Uma das mais sedutoras é que a descoberta de fósseis de animais como os dinossauros estaria por trás do surgimento de mitos sobre dragões e outras criaturas fantásticas. Acontece que, ao menos no caso de um desses bichos, o imponente grifo (cabeça e asas de águia, corpo de leão), a hipótese de que os fósseis inspiraram a criatura mágica não parece se sustentar.

Segundo uma hipótese que ganhou popularidade a partir de 1989, parte das ideias por trás da anatomia peculiar dos grifos teria vindo de fósseis do dinossauro Protoceratops. Trata-se de uma espécie de dino com bico, de porte modesto (cerca de 2 metros), encontrada na China e na Mongólia. Segundo a formuladora da ideia, a folclorista Adrienne Mayor, nômades que procuravam ouro nas regiões desérticas da Ásia Central teriam encontrado esqueletos do Protoceratops e imaginado que se tratava de uma mistura entre grande ave e quadrúpede.

Imagem compara dinossauro 'Protoceratops' com grifos em diferentes culturas antigas
Imagem compara dinossauro 'Protoceratops' com grifos em diferentes culturas antigas - Mark Witton/Divulgação

Histórias sobre esse estranho bicho teriam, então, viajado no rumo oeste, chegando a outras regiões da Europa (como a Grécia), da Ásia (a Mesopotâmia, atual Iraque) e da África (o Egito). Em todos esses lugares, a figura do grifo aparece na iconografia e em cenas mitológicas.

Não tão depressa, dizem os paleontólogos Mark Witton e Richard Hing, da Universidade de Portsmouth (Reino Unido). Os dois acabam de publicar um artigo no periódico "Interdisciplinary Science Reviews" argumentando que essa conta não fecha, por diversos motivos:

1)Os locais onde os fósseis de Protoceratops são encontrados normalmente ficam a uma distância de centenas de quilômetros dos locais com minério de ouro da Ásia Central. Até hoje, nunca foi achado um fóssil do dinossauro em associação com ouro;

2)Não há tampouco registro algum de um esqueleto do bichão facilmente exposto e reconhecível, como se tivesse "morrido ontem". Normalmente é preciso conhecimento e tecnologia modernos para escavar e preparar os fósseis antes que a forma "de monstro" fique aparente, coisas que os antigos nômades não tinham à sua disposição;

3)A ordem dos fatores parece estar invertida em termos geográficos: os primeiros registros iconográficos de grifos aparecem milhares de anos antes longe da Ásia Central e só depois é que surgem na região, o que não parece fazer muito sentido.

Resumo da ópera: foi bom enquanto durou. Faz bem mais sentido pensar que algum dia alguém imaginou como seria juntar grandes felinos e grandes aves de rapina no mesmo bicho.

Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.