Se você é um ser urbano que só passeia no fresquinho do shopping, se sua visão de lazer é maratonar séries em frente à TV, e nem se imagina enveredando por vias que considera hostis de sua cidade, muito menos por algum caminho no meio do mato por esse mundão dos deuses, peço que pense de novo e me dê uns minutos de sua atenção.
Acredite, eu sempre fui e, confesso, ainda me pego com frequência, bem parecida com você. Ah, preguiça…! Pensar em poeira, lama, pedras, mosquitos e galhos traiçoeiros às vezes me apavora, ao mesmo tempo que fascina. Não sei se Freud explica, mas fiquemos assim, que saúde mental é assunto de outro blog.
Mas, então, por que cargas d’água um canário de gaiola, assim como eu, inventaria de escrever justamente sobre trilhas, caminhos e descaminhos, e ainda por cima tentando convencer o leitor de que essa pode ser, sim, uma boa ideia?
Pois então. Era uma vez uma cidadã que, às vésperas de fazer 59 anos e depois de superar um câncer, ouviu de um amigo o convite inesperado: por que não se junta a nós no Caminho de Santiago?
Essa cidadã, no caso eu, nem era tão sedentária assim. Eu acabava de correr minha primeira (e única) prova de São Silvestre com o nada queniano tempo de mais de duas horas. Já havia participado de algumas corridas mais curtas, de 5 e 7km naquele ano, mas acordar cedo nunca foi minha praia e a maioria das provas começa ao amanhecer, sempre com uma multidão saltitante nos esfregando sua cara de felicidade. Já eu, chegava à largada ainda com marcas de travesseiro e aquela sensação de "que é que eu estou fazendo aqui?".
Mas uma coisa é disputar uma corrida, ou correr na esteira da academia. Outra bem diferente é meter uma mochila às costas e sair por aí batendo uma perna atrás da outra por, digamos, mais ou menos a metade dos 900 quilômetros do Caminho de Santiago, lá na Espanha. Sim, o convite era para me juntar a uma caminhada de 450 quilômetros do outro lado do Atlântico, algo como ir a pé de São Paulo ao Rio de Janeiro.
Pois aceitei. E gostei. Mais: amei cada minuto de tudo o que odiei. Isso vicia.
E é para gente como a gente que este blog se propõe falar de trilhas, caminhos e tudo o que puder envolver uma vida mais saudável, enlameada e lambuzada de protetor solar e repelente de insetos.
Alerta aos incautos: não vou tentar convencer ninguém a escalar o Everest. O povo capaz disso pertence a um pelotão diferenciado ao qual eu nem sonho chegar, e que provavelmente não vai perder tempo lendo o que pretendo oferecer ao leitor (mas, se chegar, será bem-vindo, é sempre uma honra falar com semideuses).
Neste espaço falaremos de como e por onde começar a tropeçar por calçadas esburacadas, chafurdar pelo mundo dos lamaçais, o que levar quando o mundo nos vai às costas, como encarar os perrengues inevitáveis da vida selvagem ou da selva urbana, enfim, como levar seu canário de gaiola para ensaiar os primeiros voos ao ar livre. E contar algum causo que outro, assim, para aliviar.
Vamos juntos? Acredite, o que parece tão distante acaba que é logo ali.
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