É Logo Ali

Para quem gosta de caminhar, trilhar, escalaminhar e bater perna por aí

É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu

Na Amazônia, trilhas vão além da pesca da piranha

Pouco conhecidas do brasileiro, experiências na floresta são para todo perfil de turista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quando falamos de trilhas, a imensa maioria dos leitores logo pensa em montanhas, campos e grandes formações rochosas. Mas poucos se lembrarão de que temos um bioma, no nosso país, que desafia mais que o simples pé ante pé na poeira: a floresta amazônica, que compreende 61% do território brasileiro, e é ocupada por meros 12% da população, incluídas aí em torno de 180 etnias indígenas. ​

É uma área que, segundo levantamento reunido pelo climatologista Carlos Nobre, aposentado do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, na sigla em inglês), instituição que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007, tem estimados 350 trilhões de árvores. Em meio a suas copas fechadas convivem cerca de 40 mil espécies vegetais, 427 mamíferos, 1.294 aves, 378 répteis, 427 anfíbios e mais de 3 mil peixes, além de uns 100 mil invertebrados. Só o que tem menos que em qualquer outro canto dos 8,5 milhões de quilômetros quadrados de território nacional é justamente essa espécie conhecida como turista brasileiro. Trilheiros, então, se contam nos dedos.

Duas pessoas numa canoa num igarapé na Amazônia
Entre um trecho e outro, o caminho natural são os rios e os igarapés. - Food Safari Amazônia 21.jan.22/ Divulgação

Claro que a falta de mais caminhantes na floresta não se deve (pelo menos não apenas) ao medo de mosquitos, verdadeiros dragões sugadores de nosso sangue. Para começar, não custa lembrar que os preços de passagens aéreas de qualquer lugar do país para as capitais amazônicas andam pela hora da morte e nada indica que devam ficar mais baratas nos próximos meses. Mas vale organizar o orçamento para se aventurar até aquelas bandas. É uma experiência para a vida toda.

No estudo "Amazônia XXI", coordenado pela arquiteta Silvia Finguerut e pelo crítico de arte Paulo Henkenhoff, coordenadores da FGV Conhecimento, além dos números de Nobre citados aí acima, está incluída uma pesquisa de Antônio Lavareda e Marcela Montenegro. Nela, aparece a informação de que 90% dos brasileiros se dizem preocupados com a preservação da Amazônia—mas 86% dos que moram fora dos nove estados que compõem a região (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão) nunca puseram os pés na mata, nem se imaginam boiando por um igarapé. E mesmo entre os moradores da região, apenas 48% já haviam saído do entorno das suas áreas urbanas.

Fiscal do IPAAM ( Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), vistoria desmatamento no município de Apui, no sul do Amazonas
Fiscal do IPAAM ( Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), vistoria desmatamento no município de Apui, no sul do Amazonas - Lalo de Almeida - 20.ago.20/Folhapress

Se o leitor se inclui nesse imenso contingente de brasileiros que só conhecem a Amazônia pelas tristes imagens de desmatamento, garimpo ilegal ou assédio às comunidades ribeirinhas e indígenas, só uma dica: apenas vá. Dê uma chance à floresta e se apaixone por esse universo de 500 tons de verde.

"Muita gente viaja para a Europa só para visitar os campos de lavanda, mas poucos sabem que existe no Brasil uma região tão rica em aromas e essências como a floresta amazônica", conta Aline Alves, que com Ana Medori, sua sócia na Aura Cosmética, idealizou o Tour Aromático pela Amazônia. A ideia das duas, depois de várias viagens à mata para adquirir as matérias-primas de seus produtos, com foco em sustentabilidade, é mostrar como vivem as comunidades ribeirinhas, como é feita a extração de breu-branco, copaíba e outros produtos utilizados na produção de sua linha de aromaterapia, e dar ao turista uma amostra do que é andar em meio a esse bioma tão desconhecido.

"Por mais que você ande 4, 5 horas pela floresta, vai sair de lá muito abastecida pela energia da mata", garante Aline.

Ana Medori e Aline Alves, sócias da Aura Cosmética
Ana Medori e Aline Alves, sócias da Aura Cosmética - Divulgação

A primeira edição do Tour será em julho próximo, época de menos chuvas na região. Mas, atenção: menos chuvas não significam tempo seco. Apenas o dilúvio é um pouco menos intenso e dispensa a arca. Mas não vá esquecer as botas à prova d'água, combinados?

Enquanto Ana e Aline organizam uma viagem acessível a praticamente todo perfil de turista, e que incluirá caminhadas apenas durante o dia, com paradas para mergulho nas lindas praias do rio Negro, a maioria das pousadas e lodges (hoteis de selva, no jargão florestal internacional) oferece várias opções de passeios para quem gosta de mato ou nem imaginava que pudesse gostar. Claro que sempre serão oferecidas as banais voltinhas de canoa à noite para atordoar os jacarés com os faróis dos barqueiros, a pesca de piranha com pequenas iscas de carne fresca (que os peixinhos vorazes e já escolados no desaforo, pegam sem morder o anzol, para frustração dos turistas incautos) ou o ambientalmente incorreto nado com botos. Mas para quem quiser sentir nas botas um pouco mais intensamente o que é a verdadeira floresta, o melhor é contratar um guia e seguir só ou em pequeno grupo para uma boa caminhada pela mata, com direito a pernoite(s). Os mais ousados podem até fazer um curso de sobrevivência na selva, caso pretendam se inscrever na próxima edição de algum reality show radical.

Um detalhe sobre trilhas na mata fechada: na maior parte das vezes, não é preciso levar barraca ou saco de dormir. Por causa da chuva e dos seres que à noite rastejam em busca de alimento, na floresta se dorme em redes penduradas sob bivaques —estruturas rústicas de estacas cobertas por encerados ou plásticos grossos— e embrulhadas em providenciais mosquiteiros. Além de calças de secagem rápida e blusas de mangas compridas, para evitar não só arranhões como eventuais esbarrões em urtigas e insetos incômodos, é conveniente seguir o velho conselho da mamãe e levar um agasalho para a noite: as temperaturas por lá despencam bruscamente e se a roupa usada durante o dia estiver molhada ou úmida, não se descarta o risco de um belo resfriado, por melhor que seja a fogueira que os guias acendem até debaixo do maior toró.

Coleta da resina da árvore breu-branco no Pará para a Natura. O óleo essencial extraído da seiva da árvore tem função aromática. - Divulgação

A propósito, sabe o que eles usam para fazer a mágica de manter o fogo aceso debaixo de chuva? Pois é justamente o breu-branco, aquela resina de árvores que Ana e Aline vão buscar para seus produtos de aromaterapia. Porque na mata nada se perde e tudo se aproveita.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.