É Logo Ali

Para quem gosta de caminhar, trilhar, escalaminhar e bater perna por aí

É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu

Cobras e lagartos ilustram caminhada pelo Parque Butantan

Duas trilhas curtas, alamedas floridas e animais diferentes encantam os visitantes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quando tinha 13 anos, em algum momento do século passado, por um tempo e a troco de nada, tive certeza de que havia cobras debaixo de minha cama, dentro dos armários e em todos os cantos escuros da casa. Detalhe: minha família morava no centro da cidade de São Paulo, e eu nunca havia visto sequer uma minhoca nas proximidades. Li, então, em algum lugar, que a melhor maneira de eliminar um medo irracional era enfrentá-lo de perto e decidi que, nas férias, sem contar nada a ninguém, poria a teoria à prova indo até o Instituto Butantan, na zona oeste da capital.

Sucuri aparece em meio ao habitat montado para ela no Museu Biológico do Instituto Butantan
Jiboia no Museu Biológico do Instituto Butantan - Acervo pessoal

Para encurtar a história, foram necessárias três longas viagens de ônibus (das quais nunca falei aos meus pais, claro) antes de criar coragem e entrar para, finalmente, olhar nos olhos de meus pesadelos. Ao final daquelas férias, cheguei a ser convidada por um dos pesquisadores que me via ali quase diariamente a conhecer mais de perto aqueles animais com direito a um (impensável dias antes) contato direto com uma delas, no laboratório. Ao sentir o corpo da cobra se enroscar em meu braço, o medo sumiu de vez e o Butantan, garanto, foi a melhor terapia que fiz na vida.

Mais tarde, ao longo de anos trabalhando como guia de turismo, levei vários grupos de estrangeiros que vinham ao Brasil com a ideia fixa de que por aqui tínhamos cobras circulando pelas ruas. Como, claro, não tínhamos, mostrava onde elas podiam ser vistas em segurança. O Butantan sempre fazia sucesso.

Vista aérea do Parque Butantan, com o prédio branco da Biblioteca ao centro
Vista aérea do Parque Butantan, com a Biblioteca ao centro - Comunicação Butantan/Divulgação

O incêndio que queimou quase dois terços das coleções de animais mantidos para estudos na instituição, em 15 de maio de 2010, e que perícias apontaram ter sido provocado pela absurda proximidade de milhares de litros de álcool e formol e fontes de calor dos terrários que abrigavam as diversas espécies, foi, para a autora deste blog, uma afronta pessoal.

Doze anos e muitas reformas depois, e com dois anos de visitação impedida pela pandemia de Covid-19, o Parque Butantan reabriu as portas em 26 de julho passado. Em apenas um mês, recebeu 100 mil visitantes, número expressivo considerando que a média anual até 2019 era de 300 mil. A maioria seguiu diretamente para o Museu Biológico, onde podem ser vistas mais de perto, em seus ambientes climatizados, as principais estrelas da casa –as grandes e pequenas cobras, algumas aranhas, escorpiões, sapos, lagartos e quelônios.

Giuseppe Puorto, diretor cultural do Instituto Butantan
Giuseppe Puorto, diretor cultural do Instituto Butantan - Comunicação Butantan/Divulgação

Até há pouco, a principal atração do espaço era a naja contrabandeada por um estudante de Brasília que acabou picado pelo animal, mobilizando o Ibama, a Polícia Federal e, claro, o Butantan. "A sorte dele foi que nós tínhamos o soro específico para ceder-lhe porque temos outro exemplar de naja capturado em Santa Catarina anteriormente, e para seu manejo precisamos ter o soro à mão, pois acidentes não são raros", conta Giuseppe Puorto, diretor cultural do Instituto no qual trabalha desde os 17 anos —hoje está com 68 e mostra cada detalhe com o entusiasmo de um recém-chegado. Mais recentemente, a cobra que mais cliques atrai para as redes sociais é a grande sucuri, que aparece em tudo quanto é selfie como "o velho do rio", em alusão ao personagem encantado da novela 'Pantanal'.

Outro ponto de atração, principalmente para crianças, é o Macacário, que reúne 60 animais da espécie rhesus, muito utilizados para pesquisa, mas que no Butantan apenas brincam e convivem no ambiente especialmente montado para eles. "Por serem animais exóticos, mesmo não sendo mais utilizados para pesquisa pelo instituto, não podem ser soltos na natureza, nem devolvidos para o país de origem de seus ancestrais, a China", explica Puorto.

Trilhas educativas

Mas o Butantan também merece visita especial de quem gosta de caminhar em meio à natureza sem sair de São Paulo. O grande destaque, aí, são as belas trilhas do Horto Oswaldo Cruz, dois trechos de verde com menos de 1 quilômetro cada, que atraem não só caminhantes como famílias que vão lá fazer piqueniques e pessoas que só buscam seus bancos para ler um livro. Uma terceira trilha, em outra parte do parque, é mais longa, mas está interditada para obras em seu entorno que poderiam pôr em risco a segurança dos caminhantes. Ali, todas as árvores estão numeradas, catalogadas e identificadas ao visitante e tudo lembra que foi ali que começou a nascer, em 1917, o hoje sofisticado complexo de pesquisa, com ênfase à época no estudo de plantas medicinais.

Além de ser um oásis de vegetação, um enorme jardim de rosas plantadas após a última reforma, e um belo monumento à ciência brasileira, com seus 12 prédios históricos, o Butantan é um grande canteiro de obras espalhadas por 750 mil metros quadrados de área. Fundado em 1898 para combater um surto de peste bubônica que fora identificado no porto de Santos (SP), o que surgiu como braço do Instituto Bacteriológico foi instalado bem longe da área que a cidade ocupava na época, na fazenda Butantan, desapropriada pelo então presidente do estado de São Paulo, Fernando de Albuquerque.

Nos estábulos da fazenda desapropriada, o médico sanitarista Vital Brazil começou a produzir o soro antipestoso, que havia sido desenvolvido na Europa depois de séculos de violentos flagelos. O local só se tornaria uma instituição independente de pesquisa em 1901, com o nome de Instituto Serumteráphico, já sob direção do próprio Vital Brazil.

Brazil, nascido em Campanha (MG), tinha visto como os trabalhadores do campo frequentemente morriam por acidentes com cobras. Em suas pesquisas, constatou que o soro antiofídico desenvolvido na época por cientistas europeus não funcionava contra o veneno dos animais daqui. "O soro é específico para cada gênero, e isso vale para o mundo inteiro", explica Puorto. "Naquela época, de 20 mil acidentes que ocorriam com cobras no país, 5 mil terminavam em mortes, enquanto hoje, de 30 mil acidentes anuais, a letalidade não passa de 0,5%, e isso porque o Brasil é grande e ainda acontece de a pessoa mordida não chegar a tempo a um lugar onde haja o soro", acrescenta.

Até o final do ano, Puorto garante que estará aberto ao público o mais novo empreendimento do instituto, o Museu da Vacina, que nasceu do interesse público despertado pelo amplo noticiário sobre imunizações nos longos meses do auge da pandemia. O espaço está sendo montado com curadoria do próprio Puorto no que foi um dia a casa sede da Fazenda Butantan. "É neste prédio, onde tudo começou, que está o futuro", conta orgulhoso, lembrando que era ali onde o próprio Vital Brazil morava para desenvolver seu trabalho sem enfrentar as dificuldades de cruzar o rio Pinheiros em carroça. A instalação preservou ao máximo a estrutura original do casarão, mas promete ser uma grande atração para o público se informar melhor sobre o que são e como funcionam as diferentes vacinas.

Em tempos de disseminação do discurso antivacinas, e de queda das coberturas vacinais mais elementares, uma visita que será obrigatória para todos os públicos, com certeza.

Serviço

Endereço: Avenida Vital Brasil, 1.500, Butantan, São Paulo
Horário de Funcionamento: de terça a domingo das 7h às 17h
Entrada: A entrada é livre, mas a visita aos museus Histórico, Biológico, de Microbiologia e Espaço Terra Firme precisa de ingresso, que pode ser adquirido na livraria e bilheteria do parque e vale para os quatro museus.
Valores

  • Criança até 7 anos - isento
  • Criança de 8 a 12 anos - R$ 2,50
  • Adulto -R$ 6,00
  • Idoso (acima de 60 anos) - isento
  • Estudante - R$ 2,50
  • Pessoa com deficiência - isento
  • Visita em grupo - agendar no site
Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que foi publicado, a cobra que aparece no destaque do Museu Biológico é uma jiboia, e não uma sucuri

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.