Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Justiça demora no caso do juiz acusado de abusos contra a mulher

Avaliação mais rigorosa dos candidatos à magistratura divide opiniões

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São Paulo

Um grupo de mulheres que atuam no Judiciário, preocupadas com o machismo e a violência doméstica, fez uma avaliação preliminar sobre as denúncias contra o juiz Valmir Maurici Júnior, da 5ª Vara Civel de Guarulhos (SP).

O magistrado foi acusado pela mulher de praticar violência física, sexual e psicológica.

O caso foi revelado pelo g1, que exibiu três vídeos mostrando agressões (tapas, chutes e xingamentos) que teriam ocorrido, em 2022, em Caraguatatuba, Litoral Norte de São Paulo.

Nesta terça-feira (28), o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, abriu reclamação disciplinar contra o juiz Valmir. Vai investigar se os fatos narrados no inquérito policial, caso confirmados como condutas criminosas, configuram também a prática de graves infrações disciplinares.

O CNJ informou que a corregedoria analisa a necessidade de afastamento do juiz, que estaria em licença médica. A Corregedoria-Geral do Estado de São Paulo, a presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e o relator do inquérito policial foram intimados a prestar informações atualizadas sobre os fatos, no prazo de 5 dias.

Sobre o episódio, o blog consultou sete especialistas (magistradas, advogadas e membros do Ministério Público), sob a condição de que poderiam optar por ter seus nomes preservados.

O blog perguntou: "Diante da imagem de que os concursos dos tribunais seriam mais rigorosos ou preconceituosos ao avaliar as candidatas, esses abusos de juízes contra mulheres seriam detectados se houvesse o mesmo rigor nos exames para o ingresso dos homens na carreira?"

A principal constatação é que a Justiça teria demorado a intervir, considerando a gravidade das acusações.

Eis outras observações:

- Os tribunais em geral demoram muito para iniciar uma apuração envolvendo magistrados;

- Os exames psicotécnicos nos concursos para admissão de candidatos a magistrados deveriam ser mais rigorosos, embora não haja unanimidade nessa questão;

- A intimidade das pessoas deve ser preservada, mas a sociedade precisa saber da decisão da justiça nos casos mais graves;

- Se a prática da misoginia e do machismo for rechaçada todos os dias, o controle da violência contra a mulher poderá ser mais efetivo.

Juízas, advogadas e membros do MP avaliam denúncias de abuso de juiz
Ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça. No destaque, juiz Valmir Maurici Júnior, de São Paulo - STJ/Divulgação e TV Globo/Reprodução

Potencial agressividade

"Diante de reiterados casos de magistrados em violência doméstica e outros incidentes, os exames psicotécnicos para aceitação dos candidatos ao ingresso na magistratura têm que ser feitos com mais rigor", diz a advogada Maria Berenice Dias, especializada em direito afetivo.

Primeira juíza e desembargadora do TJ-RS, Berenice entende que atualmente não existe diferenciação de critérios para admissão de mulheres na magistratura.

"Mas é difícil não detectar num exame bem feito esse tipo de potencial agressividade do candidato", diz.

Uma procuradora diz não acreditar que seja possível perceber certos aspectos da personalidade do candidato nos concursos para juízes.

"Como a magistratura é uma carreira que foi até recentemente exclusivamente masculina, depois que ingressam na carreira aceitam o código de silêncio e proteção que alimenta essa ideia de superioridade, de poder, que acaba por ser permissiva."

"Os relatos de avaliações mais rigorosas, e até preconceituosas para o ingresso de magistradas na carreira, infelizmente retratam a desigualdade de gênero na sociedade. Tanto é assim, que nem mesmo há publicidade de tais manifestações de preconceito e discriminação, embora se saiba que elas existiam e ainda existem", diz a desembargadora Andréa Pachá, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

"Tenho dúvidas quanto à possibilidade de se diagnosticar o machismo e a violência por meio de avaliações, em momentos de acesso à carreira. Mas tenho certeza de que se a prática da misoginia e do machismo for rechaçada todos os dias, o controle poderá ser mais efetivo", diz Pachá.

"É fundamental dar visibilidade ao problema e não perpetuar a falsa percepção de que a violência de gênero não é praticada no Judiciário, ou que mulheres não são vítimas dessa mesma violência nas carreiras jurídicas."

Pachá foi conselheira do Conselho Nacional de Justiça. Entende que "juízes e juízas não se originam senão de uma sociedade que, lamentavelmente, segue matando mulheres, e que convive com a desigualdade, como se fosse natural perpetuar a submissão".

CNJ na berlinda

A atuação do CNJ mereceu reparos de uma procuradora. "Se o CNJ resolveu fazer alguma coisa é porque as condutas do juiz devem ter sido escandalosas. Não deu para contemporizar."

"E há também o politicamente correto: não ficaria bem para o CNJ, nos tempos atuais, ficar inerte vindo o assunto a público por outras vias".

Uma advogada vai além. "O novo programa do CNJ, como protagonista da Lei Maria da Penha, é um grande veículo de exibição, pois agora mulher está na moda..."

Ela vê excessos do órgão de controle do Judiciário, "diante de tantos problemas graves ocorridos na magistratura, especialmente em relação à corrupção, nepotismo, patrimonialismo etc."

Uma procuradora que atua na área criminal acredita que, se confirmada a situação retratada na mídia -- "e ainda bem que existe a mídia", diz --, o caso é de demissão. "Não tem aposentadoria ou disponibilidade, a depender do tempo dele na carreira. É processo criminal pesado, com pena de reclusão".

"O caso desse cidadão é de criminologia mesmo", comenta.

Ela diz que os tribunais mais conservadores, como o de São Paulo, "sempre tiveram o estigma de dificultar a participação feminina nos concursos".

"Vivemos em uma sociedade machista, patriarcal e violenta contra as mulheres. Isso se reflete em todos os setores, inclusive no Judiciário".

"O que está no fundo é o anseio de exercer o poder. O fato de a defesa reclamar contra os 'vazamentos' chama a atenção. Queriam tratar tudo sem controle social, o que é mais fácil para o juiz, pois não teria cobrança dos julgadores, em regra homens, num ambiente em regra corporativo".

Outra procuradora acrescenta: "A crítica social hoje é aberta, principalmente se há uma autoridade envolvida. É o machismo que faz sentir-se poderoso, superior, e essa deturpação das prerrogativas e garantias que entendem como poder do vale-tudo".

A cientista política Maria Tereza Sadek concorda que seria imprescindível mais rigor nas avaliações dos candidatos a juiz. "E menos rede de influência. Nesse sentido, o papel da mídia é absolutamente fundamental", diz.

Uma desembargadora defende o afastamento preliminar do magistrado. "E a punição precisa ser exemplar", diz.

"O caso é muito estranho. A vítima estava com medida protetiva. O caso é muito grave, violência sexual, violência física contra a própria esposa e contra a sogra. Não consigo entender por que não houve ligeireza nessa comunicação para afastar o juiz liminarmente."

"A justiça é muito lenta. Isso não é incomum. O mesmo aconteceu com o desembargador Eduardo Siqueira, do TJ-SP, que ofendeu um guarda municipal. Esperaram 42 representações para tomar uma atitude", diz.

"Mas não vou chegar ao ponto de dizer que há falha na seleção dos juízes", conclui.

Outro lado

Os defensores do juiz Valmir Maurici Júnior, advogados Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, negam "veementemente os fatos" imputados ao magistrado e repudiam "vazamentos ilegais de processos que correm em segredo de Justiça", revelou o UOL.

O Tribunal de Justiça de São Paulo informou que "a Corregedoria Geral da Justiça adotou todas as providências administrativas cabíveis no momento".

"Por ora, o magistrado não se encontra no exercício das funções jurisdicionais. Outras informações não podem ser divulgadas em razão do trâmite sigiloso."

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