Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus CNJ

CNJ arquiva reclamação contra juíza bolsonarista "Tia Carminha"

Maioria adota princípio da insignificância para elogios a movimentos golpistas

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São Paulo

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) arquivou a reclamação disciplinar contra a desembargadora Maria do Carmo Cardoso (conhecida como "Tia Carminha") que, no final do ano passado, usou as redes sociais para elogiar as mobilizações golpistas que cercaram instalações militares.

Considerada conselheira jurídica da família Bolsonaro, a magistrada do TRF-1 escreveu a seguinte mensagem nas redes, com a imagem da bandeira do Brasil:

"Copa a gente vê depois, 99% dos jogadores do Brasil vive na Europa, o técnico é petista e a Globolixo é de esquerda, nossa Seleção verdadeira está na frente dos quartéis".

A decisão foi tomada por maioria na sessão plenária de 17 de outubro de 2023. Quatro acórdãos estão indisponíveis, possivelmente em segredo de justiça.

Prevaleceu o voto do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho (que lavrou o acórdão).

Bandeira de Mello, conselheiro indicado pelo Senado, entendeu que a manifestação teve "âmbito restrito e alcance limitado". Adotou o "princípio da insignificância" ou "bagatela".

Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, pune desembargadora bolsonarista
Juíza federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF-1, e ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça - TRF-1/Divulgação e Gil Ferreira/Agência CNJ

Foram vencidos o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, o corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão (relator), e os conselheiros Vieira de Mello, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, e Jane Granzoto, que defendiam a abertura de PAD (Processo Administrativo Disciplinar) .

Barroso determinara a suspensão dos perfis da juíza nas redes sociais Instagram e Twitter, decisão cumprida pelo Facebook Brasil e Twitter Brasil. Houve bloqueio integral das contas da magistrada em 13 de dezembro de 2022.

Em sua defesa, a magistrada sustentou não ter sido autora de "quaisquer publicações capazes de caracterizar violação à legislação que disciplina a magistratura". Afirmou que "sequer tem conhecimento ou se recorda" do teor da publicação".

Trechos do voto de Bandeira de Mello

- A conduta praticada, embora reprovável e formalmente típica, é atípica sob o aspecto material, sendo incapaz de angariar substrato suficiente para o seu processamento por meio de um PAD.

- A determinação para retenção dos perfis pessoais em redes sociais da magistrada é suficiente para reprimir o ato e, ao mesmo tempo, entregar, desde logo, o caráter pedagógico esperado.

- Além de a imagem compartilhada ser única, não havendo notícia nos autos de que a reclamada tenha se manifestado politicamente em redes sociais anteriormente, a mensagem constante da imagem não foi diretamente escrita pela Desembargadora e foi disponibilizada em seu perfil pessoal na rede social Instagram em funcionalidade de publicação temporária (story).

- Certas condutas podem ser formalmente típicas, porém materialmente atípicas em virtude da inexpressiva ofensa que tiverem causado ao bem jurídico tutelado, como é o caso dos autos. Este é o fundamento do princípio da insignificância ou da bagatela.

- Recentemente o Plenário do CNJ deixou de instaurar PAD em desfavor de uma Desembargadora aplicando o princípio da insignificância, ante a atipicidade material da conduta praticada.

- O processamento do PAD pouco contribuirá para robustecer a imputação. Tampouco haverá prova para a condenação ou para a imposição de pena aplicável à reclamada, ocupante do cargo de desembargadora (em que não são aplicáveis as penas mais brandas de advertência e censura).

Trechos do voto vencido do ministro Salomão

- A magistrada não observou a cautela exigida e ultrapassou os limites de sua liberdade de expressão ao publicar em suas redes sociais do Instagram mensagem com conteúdo nitidamente político (...), em um contexto e período reconhecido pela própria magistrada como concomitante ao das eleições de 2022.

- Salta aos olhos a afirmação de "desconhecer" ou "não se recordar" do teor da postagem realizada, o que, além de indicar a postura da reclamada [a magistrada] em se esquivar da defesa específica das imputações que lhe foram direcionadas, se mostra absolutamente contraditório com o fato de não impugnar, em nenhum momento, ser a titular da conta.

- A menção na postagem de que "nossa seleção verdadeira está na frente dos quartéis" torna inafastável a constatação de que a intenção da postagem, possivelmente, foi efetivamente associar o contexto esportivo às eleições de 2022, e às manifestações sabidamente ocorridas à época, de conteúdo antidemocrático.

- Pode-se inferir, assim, possível incitação a condutas sociais antidemocráticas que extrapolam o exercício de atividade, em tese, político-partidárias, como sói ocorrer com falas indicativas de preconceito, discriminação, ódio e mesmo incitação a movimentos que celebram princípios e condutas contrárias ao Estado Democrático de Direito.

Influência da magistrada no Judiciário

Como este blog registrou, Maria do Carmo Cardoso foi madrinha da indicação do juiz Kassio Nunes para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal. A indicação de Nunes também teve apoio do ministro Gilmar Mendes.

Em 2014, o então corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Humberto Martins, incluiu Kassio Nunes e Maria do Carmo Cardoso entre os auxiliares em correições e inspeções nos TRFs.

"Tia Carminha" é citada como amiga do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e faz parte de um grupo de magistrados que circula em torno do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e do também alagoano Humberto Martins, considerado um afilhado de Calheiros.

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